Vale duplica ferrovia e multiplica violações no Maranhão e Pará

Caros Amigos n. 177, dez. 2011, Brasil Profundo, p. 10-15 - 01/12/2011
Vale duplica ferrovia e multiplica violações no Maranhão e Pará
Caros Amigos percorreu as cidades e comunidades dos estados do Pará e Maranhão que estão sendo atingidas pela duplicação da Estrada de Ferro Carajás e ameaçadas pelo novo empreendimento minerador da Vale.

Por Tatiana Merlino
Enviada Especial
Fotos: Marcelo Cruz

Lucinete* aproxima-se de um homem sentado em uma cadeira de plástico, que, acompanhado de uma jovem, toma cerveja.
- Oi, tudo bem? Você não me ligou... Por quê? - questiona ela.
Não é possível ouvir a resposta.
"Combinamos de ele me ligar amanhã ao meio-dia para a gente sair", conta Lucinete ao voltar, sorrindo. O homem aparenta ter entre 50 e 55 anos, e, embora esteja com uma moça ao seu lado, a quem acaricia e beija, lança muitos olhares para o corpo de Lucinete. A adolescente de 16 anos veste uma calça jeans justa, mini-blusa vermelha, também colada ao corpo, batom vermelho e pintura forte nos olhos.
Como Lucinete, várias outras meninas circulam pelo local numa noite de sábado do mês de outubro.
O figurino é o mesmo: roupinhas justas, curtas, brilhantes, maquiagem no rosto, salto alto, unhas pintadas, cabelo arrumado. A casa de baile de Bom Jesus das Selvas, município localizado no oeste do Maranhão, é o ponto de encontro da cidade, a balada onde jovens, e nem tão jovens, encontram-se para beber, dançar e confraternizar. É ali que também ocorrem os encontros de meninas pobres da cidade com os funcionários das empresas que chegaram a partir de 2010, entre elas a Norberto Odebrecht. Na cidade, a construtora instalou um de seus canteiros de obras para a duplicação de 605 dos 892 quilômetros da Estrada de Ferro Carajás (EFC), concessionária da transnacional mineradora Vale (os quilômetros restantes já foram duplicados hoje servem de pátios de cruzamento).
A duplicação faz parte de um pacote de cerca de 7,8 bilhões de dólares até 2014 e atenderá o maior projeto da história da empresa e também o maior da indústria de minério de ferro do mundo: o S11D, que será implantado na Serra Sul de Carajás, em Canaã dos Carajás, Pará.
Para atender à iniciativa, a mineradora também construirá um ramal ferroviário de 100 quilômetros ligando a mina de Canaã dos Carajás à EFC, em Parauapebas, e um quarto píer no Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, na capital São Luís, no litoral maranhense. O projeto aumentará a capacidade de produção de minério dos atuais 100 milhões de toneladas ao ano, em 2010 para 230 milhões, em 2015.
Tal aporte pode ser explicado pela pesquisa da Global Industry Analysts (GIA), que aponta que até 2015 o consumo mundial de minério de ferro deve atingir 1,7 bilhão de toneladas ao ano, aumento de 70% em relação a 2010. O aumento no consumo é impulsionado pelo crescimento da economia de países emergentes, em especial a China.

MAIS MINÉRIO
Ao longo de duas semanas, a Caros Amigos fez o percurso da Estrada de Ferro Carajás - da Serra dos Carajás, no município de Parauapebas, no sudeste do Pará, onde se situa o programa de mineração Grande Carajás - até o porto de Itaqui, em São Luís do Maranhão. A EFC é responsável pelo escoamento dc minério extraído no Pará para a exportação, realizada a partir do porto da capital. Parte da viagem foi feita no próprio trem de passageiros da Vale. A reportagem também conheceu a mina da Vale e a região onde será o novo empreendimento da empresa. As obras atingirão áreas de interesse de povos indígenas, quilombolas, de conservação ambiental, de patrimônio histórico e arqueológico e assentamentos para a reforma agrária.
De acordo com o projeto da Vale apresentado ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ao qual a reportagem teve acesso, ao todo deverão ser construídas 46 novas pontes, cinco viadutos ferroviários e 18 viadutos rodoviários, além do novo píer para os navios de carga no porto de Ponta da Madeira.
Para isso, a empresa prevê a remoção, ao longo da via férrea, de 1.168 "pontos de interferência": cercas, casas, quintais, plantações e povoados inteiros. "Podemos dizer que esse projeto é a 'menina dos olhos' da Vale, tanto no Brasil quanto no mundo. É o projeto ao qual ela dá mais importância, coloca mais peso, investe mais. Isso porque é um dos que tem menos custos e maior lucratividade, no mercado nacional e asiático, que entrou em um momento muito propício", aponta o advogado Danilo Chammas, da Justiça nos Trilhos, organização que presta apoio e assessoria, jurídica às comunidades atingidas pela Vale no Maranhão.
Nos municípios por onde passou, a reportagem encontrou pessoas preocupadas com os impactos da duplicação, que não estão sendo debatidos com as comunidades. Algumas temem o aprofundamento de problemas não resolvidos da construção da EFC em 1985, como efeitos na saúde, atropelamentos, poluição, barulho e rachaduras nas casas por conta da trepidação do trem. Outras já sofrem com a instalação dos canteiros das obras de duplicação, que vêm causando o inchaço das cidades e prostituição infantil, como em Bom Jesus das Selvas.

EXPLORAÇÃO SEXUAL
Desde a chegada dos 2 mil homens da empresa na cidade de 25 mil habitantes, houve um aumento dos casos de prostituição e exploração sexual infantil, aponta Mirian Alves Feitosa, coordenadora do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos do município. As vítimas, explica, "são adolescentes de baixa renda e que não têm estrutura familiar. Elas se prostituem em troca de roupas, sapatos. Vez ou outra recebem dinheiro, mas quantias como R$ 30, R$ 50". De acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, 50% da população do município vive em condições de pobreza extrema, ou seja, com menos de R$ 70 ao mês.
É o caso de Lucinete e sua família. A garota que parou de estudar e não trabalha conta que suas noitadas vão de quarta a domingo. A movimentação na casa de festas começa a aumentar após as 22 horas, quando chegam os homens "de fora", que são facilmente identificáveis. Assim como as adolescentes ultramaquiadas, de salto, cabelos arrumados, roupas curtas.
Peço a Lucinete que me mostre quem são os homens dali que trabalham na Odebrecht, e, circulando pela pista da boate, ela aperta minha mão cada vez que cruza com um deles. "Com este eu já saí duas vezes, mas ele é muito mulherengo", diz, ao passar por um homem de cerca de 35 anos. "Com este eu também já saí", conta, direcionando o olhar a outro. "Aquele sentado também é da empresa, mas comigo nunca saiu, só com colegas", fala, sobre mais um, até chegarmos ao homem com quem ela combina de sair no dia seguinte. Dos clientes, a garota ganha presentes, como as roupas que veste nessa noite de sábado.
Algumas horas antes, pela tarde, visitamos a casa da família de Lucinete e de outras adolescentes que fazem programas com os funcionários da empreiteira. Em toda a cidade, não há asfalto, e as casas onde as meninas moram são de taipa, chão de terra batida, poucos cômodos, quase nenhum móvel, muitas crianças correndo para lá e para cá e várias mulheres grávidas, entre elas uma das meninas que faz programa, de 14 anos de idade e que não sabe quem é o pai do bebê. Nenhuma delas assume que o que faz é prostituição.
Lucinete, que aparece vestida de maneira simples, completamente diferente de como estará à noite, conta que gosta de sair com homens mais velhos, os seus "amigos" de quem ganha presentes.
Mas não aceita as palavras "programa" e "prostituição". Na casa, muito simples, onde mora, estão cinco dos dez irmãos, sendo que só um deles está empregado, como pedreiro. O pai, que "era de roça", hoje não trabalha mais. Ela acha que a chegada dos homens da empreiteira na cidade é boa "porque fica mais movimentado".
Uma das outras meninas, de 16 anos, nega fazer programa, embora tenha sido vista por Mirian, do Centro de Defesa de Direitos Humanos, caminhando com um funcionário da empresa e entrando numa loja para comprar roupas. Ela afirma que é outra garota que sai com os homens da Odebrecht.

CONTRASTES
O canteiro de obras da construtora, próximo a um bairro paupérrimo onde visitamos uma das meninas vítimas de exploração sexual, mantém uma estrutura de primeiro mundo, contrastando com o cenário todo da cidade: Falta de saneamento, ruas de terra, casas de barro e taipa, carros e motos velhas, lojas de comércio popular. É no meio disso que circulam as caminhonetes da Odebrecht.
Segundo Mirian, o encontro e a abordagem às meninas ocorrem em bares, festas, nos banhos de rio que acontecem aos fins de semana e inclusive na frente do canteiro de obras, para onde as meninas vão vestidas em suas melhores roupas. Algumas das adolescentes com quem conversamos pela tarde estavam à noite na boate da cidade. Na entrada do estabelecimento, havia um carro da Odebrecht estacionado.
Juntamente com o crescimento da exploração sexual infantil, a chegada dos 3 mil homens causou outros impactos sociais, aponta Mirian, "como o aumento de uso de drogas, maior número de gravidezes, doenças sexualmente transmissíveis e HIV".
Por meio de sua assessoria, a Odebrecht informa que "abomina qualquer tipo de prática que viole a integridade física e psicológica das pessoas, tal como o crime de prostituição infantil, mas também age severamente para coibir qualquer desvio de conduta de seus funcionários, sempre". Segundo a nota, 84% dos empregados do canteiro de obras são da própria cidade ou região. A empresa esclarece, ainda, que irá averiguar as denúncias apontadas.

ATROPELAMENTOS
Se os impactos do empreendimento são graves na área urbana, não são menos complicados na área rural. Os moradores do bairro de Nova Vida, área rural de Bom Jesus das Selvas, temem as consequências da duplicação da via férrea. Passados 30 anos da construção da EFC, eles não conseguiram que a mineradora mitigasse os impactos para a comunidade, como os atropelamentos de moradores e animais.
Entre os casos, há o de um senhor de idade avançada e audição prejudicada que não viu e não ouviu o trem se aproximar e foi atropelado. Outro morador perdeu nove cabeças de gado de uma vez.
Na escola, as aulas são interrompidas pelo barulho do trem; as pessoas tem dificuldade para dormir, já que o som é muito alto. Quando estão assistindo televisão e a locomotiva passa, a imagem fica prejudicada e não se ouve nada. "Até os quadros da parede tremem e os copos quebram", reclama Maria Francisca de Oliveira. As crianças do bairro sempre estão com dor de ouvido. E muitos dos moradores têm suas casas rachadas em decorrência da trepidação causada pela passagem do trem.
Sem ter para quem reclamar, ansiosas, as pessoas do bairro pediram para mostrar à reportagem, casa a casa, a situação das paredes, visivelmente rachadas. "Se as paredes já estão rachadas agora com um trem passando, imagine com dois. As casas vão cair", diz Antonio Alves, de 63 anos.
Embora queiram se mudar, as famílias não têm para onde ir, "e a Vale não quer nos indenizar", lamenta a professora Maria das Dores Dias Souza.
Conscientes da riqueza que passa diariamente a poucos metros de suas casas, os moradores lamentam que nada fique para o município e para o estado.
As famílias da comunidade vivem ou de Bolsa Família ou de aposentadoria do INSS, quadro que se repete em todos os povoados do Maranhão visitados, como no dos isolados moradores do Centro dos Farias, no município maranhense de Buriticupu. Lá, dona Elda Batista Faria passou três noites sem dormir quando recebeu a notícia de que o cemitério da comunidade seria retirado do local original. "Passei três dias e três noites ruim, pensando que ia ver os ossos diz, referindo-se aos despojos de seu filho que faleceu há quase um ano. O local onde vivem 36 famílias, todas de sobrenome Faria e primos entre si, é de difícil acesso. Para chegar, é preciso torcer para que não tenha chovido; do contrário, o carro provavelmente atolaria. Os Farias contam que há anos a empresa promete arrumar a estrada de acesso ao local, mas nunca cumpre. Antônio Lima de Faria conta que além de jumentos, cavalo e vacas, muitas pessoas já morreram atropeladas ali. A escola também é afetada pelo barulho do trem. "Não há benefícios, só prejuízos", lamenta seu Antônio.

MAIOR DO MUNDO
Das minas de Carajás, saem 36% do minério de ferro produzido pela Vale, anualmente. De acordo com a companhia, o futuro do crescimento da sua capacidade de produção se concentra no local, uma das províncias minerais mais ricas do mundo, cujos recursos minerais tem alto teor de ferro e reduzido grau de impurezas.
Já a Estrada de Ferro Carajás abriga o maior trem de carga do mundo, que faz 24 viagens diárias (12 em cada direção) e cujos 336 vagões transportam o equivalente a 30 milhões de dólares ao dia. A Vale reportou lucro líquido de R$ 10 bilhões no quarto trimestre de 2010. No acumulado do ano, a companhia auferiu ganhos de R$ 30 bilhões, "o maior da história na indústria de mineração", conforme nota da empresa.
"Os lucros da Vale são estratosféricos, mas o problema não é serem altos ou baixos, e sim serem obtidos às custas de injustiça social. Isso é obtido sem que sejam reparados os prejuízos causados às comunidades, sem que sequer sejam minimizados os danos causados", critica o advogado maranhense Guilherme Zagallo.
Ele afirma que tais populações atingidas, que vivem isoladas no interior dos estados do Pará e Maranhão, acabam funcionando como, "sócias desse lucro, mas sócias que contribuem com os ônus, não com os bônus. É um prejuízo que é publico, e um lucro que é privado. E com a duplicação, a tendência é que se ampliem os impactos". O advogado aponta que hoje, em média- uma pessoa morre atropelada por mês pelos trens de minério da EFC. Se houver duplicação sem nenhuma medida de segurança (mais passarelas, viadutos proteções, muros, conforme as indicações e desejos das comunidades), esse número muito facilmente aumentara.
O Maranhão é o estado que tem proporcionalmente a maior concentração de pessoas em condições extremas de pobreza e serve apenas como local de passagem da riqueza da empresa. Da população de 6,5 milhões de habitantes, 1,7 milhão está abaixo da linha de miséria (ganham até R$ 70 por mês). Isso representa 25,7% dos habitantes - mais do que o triplo da média do país, que é de 8,5%.

CADEIA
Além da exportação do minério de ferro bruto, parte dele é "beneficiado" na região pelas siderúrgicas, que o transformam em ferro-gusa, uma das etapas da produção do aço. Para tal, precisam de energia, e para produzi-la, se utilizam ou de madeira nativa - provocando desmatamento - ou de grandes plantações de eucaliptos geneticamente modificados, com o uso de agrotóxicos altamente nocivos e que impedem outras formas de vida. Tais eucaliptos são transformados em carvão em carvoarias artersanais (com trabalho infantil e condições análogas a de escravo) ou em carvoarias industriais.
No município de Açailândia, especificamente no distrito industrial de Pequiá de Baixo, localizado a 600 quilômetros da capital, por exemplo, estão em operação cinco usinas siderúrgicas que produzem anualmente 500 mil toneladas de ferro-gusa. Essa cadeia é alimentada a partir de minérios da Vale, que é praticamente a única fornecedora das cinco usinas em funcionamento na região.
No povoado Novo Oriente, área rural de Açailândia, também já funciona um canteiro de obras da Odebrecht. Na viagem da cidade para o povoado, pela BR-222, avista-se as guseiras, criações de gado e vários quilômetros de plantação de eucalipto em áreas que pertencem às siderúrgicas. Em uma estrada que está sendo aberta pela Odebrecht, para facilitar o trabalho da duplicação da EFC, a reportagem encontrou vários caminhões transportando os troncos de eucalipto, que serão transformados em carvão para o pólo siderúrgico.
Mais à frente, a fumaça do ar indica que há uma carvoaria por perto. Embora haja um aviso informando que é obrigatório o uso de óculos, bota, capacete, luva, máscara de respiração e perneira, os funcionários foram flagrados sem máscara de respiração e perneira. A meia hora de permanência na carvoaria serviu para que o cheiro, enjoo e o mal-estar provocados pela fumaça durassem dois dias.

SONO INTERROMPIDO
Na entrada do povoado, a casa e bar da família de Gilson da Silva Feitosa ficam em frente à linha do trem, onde, sob um sol quente de 35 graus, homens trabalham. A instalação do canteiro de obras tem incomodado a ele e à sua filha, Gabriela, de oito meses, que chora quando os caminhões da Odebrecht passam. A pequena também ainda não se acostumou com o barulho que o trem faz e a buzina noturna. Gilson tem esperança de conseguir um trabalho na obra. Ele foi chamado pela Empresa para fazer treinamento, mas, até o dia da nossa conversa, não havia assinado contrato.
Enquanto aguarda ser chamado, a obra segue. Na frente do canteiro, há dezenas de caminhões estacionados, transformando completamente a rotina da comunidade. Para pior. E assim que pensa Oziel Rodrigues de Costa. Sentado na varanda de sua casa junto a outros moradores, ele reclama do aumento do número de carros que transitam pela comunidade e da poeira dos veículos; receia que cresça o número de atropelamentos, barulho e trepidação. Hoje, o barulho do trem interrompe as aulas da escola e as celebrações da igreja. "Eles não se preocupam com a gente".
Entre as reivindicações - nunca atendidas - da comunidade está a construção de uma passarela. As crianças de um assentamento vizinho, por exemplo, estudam na escola de Novo Oriente, e diariamente atravessam de carro a via férrea. Quando o trem está parado - e assim permanece muitas vezes e por muitas horas - elas são obrigadas a descer e passar por entre os vagões, correndo o risco de o trem começar a se movimentar exatamente nesse momento.
Sentado em uma cadeira de madeira em frente a sua casa de taipa, Antônio Balbino, 65 anos, um dos líderes da comunidade, conta que, além da construção de uma passarela, o povoado tem outras reinvindicações, que já foram pedidas à Vale e ao município desde 1997: a construção de uma estação ferroviária para o bairro, a instalação de um alambrado ao longo da extensão da via férrea, posto de saúde, manutenção da estrada, entre outras. Balbino conta ter perdido a conta do número de animais que foram atropelados pelo trem. "Gado, gato, cachorro, pinto, burro, cavalo, galinha. De tudo. Do jeito que está, só eles são beneficiados".

LICENCIAMENTO FRACIONADO
De acordo com estudiosos da região, com o intuito de evitar o debate e a análise sobre os impactos socioambientais do novo empreendimento e da duplicação da estrada de ferro, a Vale solicitou licenças fragmentadas ao Ibama, como se o projeto não fosse um só, e sim vários empreendimentos. "Há muito tempo a Vale faz o fracionamento do seu licenciamento. Ela não considera seus impactos como um todo, ela trabalha com pequenos empreendimentos locais, pede a licença para um pátio de cruzamento, um pátio de armazenamento de minério, quando na verdade os empreendimentos não existem isoladamente. Eles só existem para um fim maior, que é a exportação de minério de ferro", aponta Guilherme Zagallo. Assim, explica, "há um erro de origem no licenciamento ambiental das operações da Vale no Pará e do Maranhão, que é esse fracionamento do licenciamento ambiental, que também viola a nossa Constituição. Infelizmente os órgãos ambientais têm anuído com essa prática", lamenta.
Marcelo Sampaio Carneiro, coordenador do programa de pós-graduação em ciências sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), afirma que a duplicação reflete uma característica do modelo de desenvolvimento atual do país, "que tem que continuar gerando superávit comercial, que tem como seus principais produtos a soja e o minério de ferro. A lógica é aumentar a exportação de minério de ferro, dos outros produtos minerais que são produzidos na região, ampliar a exportação das cargas de soja, exportação de celulose. Essa é a natureza do modelo", explica. Enquanto isso, "as comunidades continuarão vendo os vagões com minério passando, acho que isso é a coisa mais cruel".
O jornalista e sociólogo paraense Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, acredita que ao invés de se considerar uma duplicação, deveria se considerar "um novo projeto, ainda mais porque essa mina é maior do que a original. Essa história de duplicação é papo para boi dormir. Isso é Carajás 2, Sub Carajás..."
Danilo Chammas, advogado da Justiça nos Trilhos, explica que o sistema brasileiro legal, sobretudo em matéria de direito ambiental, prevê padrões básicos a serem cumpridos quando se lança um empreendimento com possíveis impactos ambientais. "No caso da obra de duplicação da Estrada de Ferro Carajás, a maneira como ela foi apresentada tem a intenção de driblar esse regramento. Embora seja um empreendimento de valores vultosos e de impacto muito grande para a região, no momento em que apresentaram a licença, eles se basearam na resolução 34912004 do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] que libera o empreendedor de elaborar o estudo prévio de impacto ambiental, seguir os trâmites normais num processo de licenciamento, porque é uma resolução criada para empreendimentos 'ferroviários com menor potencial de degradação ambiental. E o Ibama, ao invés de questionar tal argumentação, na verdade, comprou a ideia." Segundo ele, há um "vício de origem contaminando todo o processo.
O erro, "crasso", portanto, é do governo brasileiro, ao não impor à empresa que realize estudos prévios de impacto ambiental e ao considerar que o projeto é uma mera ampliação, quando, na verdade, "é uma obra de bilhões de dólares, violando as regras que tratam do assunto", indigna-se Guilherme Zagallo.
A razão das "vistas grossas" no licenciamento ambiental seria resultado de pressão. "A Vale é uma das grandes geradoras de superávit comercial para o Brasil. Ela importa pouco e exporta muito, e gera divisas. Esse é o modelo escolhido pelo nosso governo para o desenvolvimento. Imagino que essa geração de divisas externas acabe pressionando muito os órgãos ambientais pela concessão de licenças em prazo rápido ou com flexibilidade das normas que estão previstas na legislação", avalia Zagallo.
 
POVOS ORIGINÁRIOS
A mobilização dos quilombolas das comunidades Monge Belo e Santa Rosa dos Pretos, localizados no município de ltapecuru-Mirim, a 114 quilômetros de São Luís, contra os abusos da Vale, gerou uma vitória, pelo menos parcial.
Desde setembro, uma decisão judicial determinou a suspensão da duplicação de 2,4 quilômetros da Estrada de Ferro Carajás no município. A decisão é resultado de uma ação civil pública do Ministério Público do Maranhão que contesta a licença ambiental do Ibama, que não teria levado em conta os prejuízos sociais e econômicos da duplicação para essas duas comunidades de ltapecuru-Mirim, como atropelamentos, prejuízos para a agricultura, e bloqueio de um dos igarapés de Santa Rosa, onde a comunidade pescava, prejudicando, assim, a alimentação.
Seu Libânio Pires, de 78 anos, luta desde os 18 pela titulação da terra quilombola de Santa Rosa, onde nasceu. Ali, também nasceram seu pai e avô. O bisavô foi trazido de Guiné-Bissau ao Brasil como escravo. Ele conta que a região era muito rica, cheia de frutas e animais. "Não se passava fome aqui". Assim como o pai, ele sustentou seus filhos na "ponta da espingarda". Hoje, os animais de caça foram embora. "Como iam ficar com essa zoada toda"?, questiona. "A Vale nos prejudicou muito. Destruiu e continua destruindo muitas coisas, e agora está atrapalhando nossa titulação. Essa empresa é perigosa", diz seu Libânio.
A empresa entrou com um processo de impugnação contra a titulação dos territórios de Santa Rosa e Belo Monge. As terras dos remanescentes quilombolas, apesar de já delimitadas, ainda não receberam a titulação, que está em análise do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). "A mineradora inclusive contesta a identidade quilombola das comunidades. O que mais lhe interessa é que não sejam titulados setenta metros de cada lado da ferrovia", explica Danilo Chammas. "A não titulação interessa à empresa porque evita o poder jurídico ou o direito do titulado de poder permitir ou não a entrada e impor condições ou ser recompensado pelo uso que outros venham a fazer de suas terras com interesses privados". O advogado da Justiça nos Trilhos observa que a empresa desrespeitou também a convenção da Organização Internacional do Trabalho [OIT] 169, sobre povos indígenas e tribais, que prevê consulta às comunidades para todo tipo de obra que os impactarem.
Na sala de sua casa, a professora Anacleta Pires da Silva, 45, filha de seu Libânio, protesta: "Queremos saber porque a Vale colocou o pé em cima do nosso processo. Vamos colocar o pé em cima dela também". Enquanto a titulação da área não sai, o território dos remanescentes quilombolas segue sendo invadido por grileiros. "Estamos numa área mínima do nosso território", reclama Anacleta. Ela relata que cinco pessoas da comunidade já morreram atropeladas, assim como animais de carga. "Há a poluição sonora e os problemas respiratórios por causa da poeira".
Construído em 1986 como uma contrapartida social da empresa, quando a Vale ainda era a estatal Vale do Rio Doce, o trem de passageiros da empresa conta com 21 estações ao longo da ferrovia, sendo três delas no Pará e 18 no Maranhão.
Quando o trem se aproxima das estações e diminui a velocidade, avista-se pessoas agitadas, com os braços para cima, segurando bandejas cheias de quentinhas e marmitas. "Frango, peixe, água!", gritam, ao mesmo tempo. "Olha a áaaagua", anuncia uma mulher negra de seus 50 anos. Como a distância entre a plataforma e as janelas do trem são grandes, os vendedores têm que ficar na ponta dos pés para entregar a comida e a água para os passageiros. Em todas as estações em que a reportagem passou, dia ou noite, lá estavam eles, à espera dos passageiros. Os vendedores vivem nas comunidades cortadas pela estrada de ferro, e em muitos casos, esse é o única oportunidade de renda que a ferrovia proporciona.
 
EXTREMA POBREZA
Embora os municípios do Pará sejam beneficiados com os royalties da exploração mineral, por meio da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que é dividida entre União, que fica com 12%; estados, com 23% e; Município Produtor, 65%, o quadro das cidades paraenses não é mais confortável do que as do Maranhão. O Pará é o quarto estado com população em condições extremas de pobreza, aproximadamente 18,9%, representando 1,5 milhão de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.
Entre os principais problemas existentes nos municípios do sul e sudeste do estado, onde estão instalados vários projetos de mineração da Vale, está o crescimento vertiginoso da população e o que decorre dele.
Em Marabá, toda semana chegam dezenas de pessoas pelo trem de passageiros da Vale, em busca do sonho de, arrumar um emprego nos empreendimentos locais, como a siderúrgica Aços Laminados do Pará (Alpa), de controle da Vale, que está se instalando na cidade. A Alpa terá investimentos da ordem de 3,2 bilhões de dólares e deve começar a funcionar em 2014. Produzirá 2,5 milhões de toneladas de placas de aço, por meio da transformação de parte do minério de ferro extraído das miras de Parauapebas.
Segundo estudo encomendado pela própria Vale à empresa Diagonal Urbana, em 2014 a população de Marabá terá um crescimento de 50% e chegará a 306 mil habitantes, dos quais 294 mil na área urbana e 12.300 na área rural. Para a educação, a cidade precisaria, hoje, de R$ 165,44 milhões em investimentos.
De acordo com o Índice de. Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) Marabá é a cidade mais violenta do Brasil para jovens entre 18 e 29 anos. A taxa anual de homicídios chegou a 133 por 100 mil habitantes em 2009, aponham os dados do Sistema de Informação de Mortalidade, do Ministério da Saúde. A taxa. é também a mais alta do país.
Para Marcelo Carneiro, da UFMA, o fato de Marabá ser um município tão violento, mesmo estando dentro de um "cinturão que produz uma riqueza imensa, é resultado de um modelo concentrador de renda. É a reprodução do modelo de desenvolvimento brasileiro, que antigamente era chamado de Belíndia: o padrão de vida de alguns é o da Bélgica, de outros, é o da Índia".
 
MURO DE BERLIM
Em Marabá, além dos impactos já mencionados, a duplicação da EFC afetará os moradores do bairro KM7, um dos maiores da cidade. Há casas que estão muito próximas da ferrovia, e, embora esteja prevista a remoção de 200 imóveis, as famílias não foram informadas. Jeania dos Santos Lima, moradora do bairro e idealizadora do Instituto Reviver, projeto social do KM7, conta que há muita rejeição na comunidade em relação à duplicação da via férrea. Assim como em outras cidades cortadas pela EFC, os moradores sofrem com a trepidação, barulho e rachaduras nas paredes das casas. As telhas caem e quebram. "E a duplicação vai gerar mais impacto, a gente sabe disso".
Na frente do bairro, um canteiro de obras da Odebrecht segue funcionando em pleno sol do meio dia. O apito toca, indicando que o trem está chegando, e com minério quase transbordando dos vagões, leva 12 minutos para passar.
"Se um trem já incomoda, imagine dois. Vamos cair da cama com a trepidação", diz Francisca de Fátima, moradora de uma das casas situadas em frente à ferrovia.
Desde 2008, a comunidade está discutindo com a Vale a construção de um muro de arrimo, para garantir a segurança. Mas enquanto a empresa propôs que o muro tivesse quatro metros, os moradores pediram uma mureta mais baixa e uma tela. "A gente quer segurança, não muro de Berlim. Se fizerem muro dessa altura, vamos derrubar", garante Jeania.
Dois pesos e duas medidas: enquanto em Itapecuru-Mirim a Vale bloqueia a titulação das terras pedindo que sejam retirados das comunidades a faixa de 70 metros de cada lado da ferrovia (40 m de faixa de domínio, 15 m de faixa de segurança, 15m de faixa non edificandi), em Marabá, para evitar ter que assumir a responsabilidade de remover centenas de famílias, os 70 metros caíram para 28. A Vale pediu à ANTT a redução da faixa de domínio de 40 para 28 metros e já não considera necessário o respeito às faixas de segurança e non edificandi. Por isso a construção do muro.
 
EXPLOSÃO POPULACIONAL
Entre as principais cidades impactadas do sudeste do Pará, além de Marabá, estão Parauapebas e Canaã dos Carajás. "Parauapebas vem crescendo, todo dia tem muita gente chegando atrás de oportunidades, porque ela é o eixo da província mineral de Carajás. Canaã dos Carajás, onde será implantado o S11D, hoje tem uma população de 40 mil habitantes que também cresceu vertiginosamente dentro desses últimos dez anos, quase 100%", aponta o agrônomo e sociólogo Raimundo Gomes, do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp).
No entanto, muitas dessas pessoas que chegam às cidades do sul e sudeste do Pará não encontram empregos ou os que encontram são temporários. "Se na implantação do projeto há demanda para 3 mil vagas, por exemplo, depois de instalado o projeto esse número cai para 300 pessoas na operação. E aí? o que acontece? A experiência que se tem é que depois de encerrado o trabalho, 30% desses trabalhadores ficam na cidade, sem perspectiva de nada, porque não há o que fazer".
Raimundo também critica a aplicação dos recursos dos royalties da mineração nessas cidades. Segundo ele, como hoje não há uma legislação que defina de que forma esses recurso serão aplicados, "com o pouco dinheiro que entra, os prefeitos deitam e rolam e fazem o que berra entendem, e a população termina não vendo onde ele vai parar".
Segundo ele, um dos grandes mitos em torno da mineração é que ela representa desenvolvimento. "Mas não há desenvolvimento, porque ela não se integra com outras unidades produtivas. Nem com o agronegócio ela tem conexão, muito menos com a agricultura familiar".
E é exatamente a agricultura familiar uma das mais afetada nesse momento, porque as áreas de mineração incidem, na sua maioria, em áreas de projetos de assentamento, observa.
No Pará, um dos assentamentos de reforma agrária que será impactado pela duplicação da EFC é o Palmares II, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no município de Parauapebas. A via férrea cota 20 quilômetros do assentamento de 15 mil hectares, conquistado em 1996.
Eurival Martins Carvalho, o Totô, da coordenação estadual do MST e morador do Palmares, conta que o assentamento sofre com impactos ambientais, eliminação de animais e dezenas de atropelamentos de pessoas. "Seremos afetados pela duplicação e com a expansão da Serra Sul", prevê.
Até hoje, o movimento bloqueou a estrada de ferro três vezes para reivindicar a mitigação dos impactos. A primeira, em 2005, depois em 2007, e, novamente, em 2008. Entre os resultados das negociações, "houve a construção de um túnel de passagem, a recuperação de estradas, abertura de outras e acesso de asfalto da sede do município até a vila local".
Hoje, o MST está em negociação com a empresa para garantir a construção de cercas de preservação da ferrovia, para que pessoas e animais não tenham acesso a ela. "Segundo a Constituição, cada estrada de ferro tem que ser confinada com cercas de preservação", aponta Totô.
Os 100 quilômetros de ferrovia que serão construídos afetarão várias comunidades rurais, e parte dessas famílias terá que ser removida. "Aceitamos a remoção, desde que as famílias sejam indenizadas", diz Totô.
 
MAIOR MINA A CÉU ABERTO
De carro, a viagem do centro de Parauapebas até a entrada da Floresta Nacional de Carajás dura cerca de meia hora. O território é cercado, e a entrada, controlada. Só passam pelas cancelas carros de funcionários ou os previamente autorizados. Embora pareça contraditório, é ali, no meio de uma área preservada de quase 400 mil hectares, que está localizada a maior mina a céu aberto do mundo, que funciona sob concessão da Vale. Criada em 1988, a Floresta Nacional abrange os municípios de Água Azul do Norte, Canaã dos Carajás e Parauapebas.
Mais alguns minutos e chega-se a uma bifurcação, onde há uma placa indicando que o Núcleo de Carajás encontra-se à esquerda. É onde fica a vila construída para os funcionários da Vale morarem com suas famílias. Ali há uma vida à parte da que existe em Parauapebas, já que os moradores estão isolados da cidade, pela distância e pelas cercas. No mundo à parte, há escola, supermercado, padaria, banco, lojas, clube, restaurante e hospital. São 1300 casas e 5 mil moradores. A área é nacional, mas é cercada pela iniciativa privada.
Um pouco mais à frente, o cenário começa a mudar. Estamos na Serra Norte, onde funciona a mina atual da Vale. A vegetação majestosa da floresta dá espaço a um cenário de ficção científica: imensos caminhões, tratores, escavadeiras, e maquinário em geral circulam por uma área onde não há vegetação, tudo é cinza e vermelho escuro, cor da terra e do pó que os caminhões e tratores levantam.
Pilhas gigantes de terra surgem do lado esquerdo, como se fossem montanhas. "Isso tudo é estéril", explica Marcus Vinícius Mendonça, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente responsável por fiscalizar a questão ambiental da Floresta Nacional. "Estéril" é a palavra usada para definir o resíduo da mineração que é dispensado no processo de extração do minério e que ocupa muito espaço nas áreas mineradoras. "As áreas de estéril são imensas, e, para prepará-las, é preciso suprimir a vegetação, levando ao desmatamento". Segundo Marcus, "há impactos à biodiversidade, já que o minério de ferro aflora numa área específica e, ao se explorar toda a área de minério de ferro, elimina-se espécies que só existem naquela área".
Seguimos um pouco, e, à direita, avistamos a 'cava', enorme buraco, tanto de profundidade quanto de largura. O tamanho é tão grande que os mesmos caminhões gigantes que passaram ao nosso lado aparentavam ser minúsculos quando olhados de cima. O processo de extração de minério é ininterrupto. "Aqui funciona dia e noite; Natal e Ano Novo", explica Marcus.
Hoje, a área de minério (nem toda em exploração) representa 4% da área total da Floresta Nacional, onde, por mês, entram 100 mil veículos. Diariamente, ocorre uma média de cinco atropelamentos de animais que transitam pela Floresta.
Marcus explica que na Floresta Nacional de Carajás há espécies endêmicas que só existem ali, como a flor de Carajás. "Há espécies e animais que foram descobertos, mas ainda não identificados, estudados". As espécies estão ameaçadas pela expansão da extração mineral.
Junto com o Ibama, o ICMBio é responsável pela avaliação dos impactos ambientais e da licença dos projetos mineradores da Floresta Nacional. O Ibama, por exemplo, apresentou algumas condicionantes ao projeto que a Vale pretende implantar na Serra Sul. O órgão ambiental questionou a área do projeto, "que iria levar à extinção de cavernas e de uma lagoa, que não podem ser suprimidas".
Dentro da Floresta Nacional, seguimos a caminho da Serra Sul, onde será o novo projeto. Passamos por mais buracos e pilhas de estéril, por uma usina de beneficiamento do minério e pelo local onde o minério é jogado numa esteira que segue para os vagões da Estrada de Ferro. Então, o cenário muda completamente: surge uma mata preservada, com vegetação imponente, árvores altas, entre elas uma enorme castanheira.
Na área onde está prevista a construção do novo empreendimento, embora a licença do Ibama não tenha saído ainda, encontramos funcionários construindo uma torre de comunicação, que terá 140 metros de altura. No local, também há um pequeno acampamento de pesquisa mineral, onde funcionários da Vale trabalham.
"A exploração daqui terá novo impacto, e essa área está bem preservada", afirma Marcus, enquanto caminhamos até a lagoa que está ameaçada pelo projeto, em cujas margens há uma das cavernas que, de acordo com a legislação vigente no Brasil, não podem ser destruídas, pois guardam vestígios arqueológicos milenares da ocupação humana na Amazônia.
Marcus afirma que muitos dos impactos são inerentes à atividade de mineração.
 
ESTADO DA VALE
A configuração de poder no estado do Para poderá mudar caso os paraenses decidam pelo desmembramento do Estado, dando origem a outros dois estados: Carajás e Tapajós. Mesmo se os paraenses optarem pela criação dos dois outros estados (cujo plebiscito ocorre dia 11 de dezembro), a decisão final ainda passa pelo Congresso e pela presidenta Dilma Rousseff.
Caso a população confirme a criação de Carajás, ele herdaria a maior mina produtora de minério em operação no mundo, importantes reservas de cobre e níquel pertencentes à Vale e os principais empreendimentos da mineradora instaladas na região.
Na avaliação do advogado Guilherme Zagallo, com a criação do estado de Carajás o poder político da empresa aumentaria muito, "pois a Vale estaria presente na quase totalidade dos municípios do que seria o novo estado, seria a grande força econômica e passaria a ter influência direta e não mais indireta na escolha de três senadores e oito deputados federais". Segundo ele, a possível divisão atende muito mais aos interesses de grupos políticos econômicos do que da população paraense.
Já o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto acredita que a possível criação do estado Cárajás, não alteraria a correlação de forças da mineradora. "Não acho que haveria uma mudança substancial", já que a empresa já tem "seu esquema de poder montado".
 
Tatiana Merlino é jornalista
 
* Nome modificado para preservar identidade.
Nota: Dia 28/11, a Vale anunciou seu plano de investimentos para 2012, onde informou que o projeto Serra Sul foi adiado em dois anos. As operações serão iniciadas no segundo semestre de 2016.

Caros Amigos n. 177, dez. 2011, Brasil Profundo, p. 10-15
Mineração:Empresas

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