União estuda reduzir parque do Itatiaia

FSP, Ciência, p. A13 - 11/05/2009
União estuda reduzir parque do Itatiaia
Proprietários de casas dentro de unidade de conservação pedem ao governo para abrir mão de área de 1.300 hectares
Donos de imóveis dizem que têm direito a indenizações, mas preferem que unidade de conservação encolha; ministro analisa proposta

Afra Balazina
Enviada especial a Itatiaia (RJ)

O primeiro parque nacional do Brasil -o Itatiaia, no Rio de Janeiro- pode ter sua área reduzida caso a proposta lançada por um grupo de proprietários de casas na região seja aceita. A decisão cabe ao governo federal. Se a sugestão for aceita, o parque de 30 mil hectares pode perder 1.300 hectares -uma porcentagem pequena, mas que concentra boa parte das belezas naturais que atraem cientistas e turistas ao local.
A decisão não deve demorar a sair. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, realizou um estudo técnico sobre a questão fundiária na região, problema que atormenta governos desde a criação do parque, em 1937. O conteúdo do documento, ainda não divulgado, será apresentado ao ministro Carlos Minc para que ele determine o que deve ser feito.
Existem 80 terrenos particulares com casas dentro do parque (além de terrenos sem construções) e mais cinco hotéis. Donos de casas de veraneio, moradores da área e proprietários dos hotéis solicitam que a maior parte do local conhecido como parte baixa do parque, ao sul, deixe de integrar a unidade de conservação.
Eles pedem que 1.300 hectares sejam cortados da área, que possui, 1.510 hectares. Pela proposta, a parte baixa se tornaria "monumento natural" tipo de unidade de conservação mais permissiva, que pode abrigar propriedades particulares.
Quando o parque foi criado, havia moradores na área, que pertencia a um ex-núcleo colonial. Os habitantes não foram indenizados e, por isso, continuaram por ali. O problema se agravou com o tempo, já que foram feitas mais construções após a fundação do parque, e terrenos foram divididos irregularmente. Até hoje se vê a venda de casas no local, assim como o aluguel de residências.
A parte baixa recebeu no ano passado 75 mil visitantes. É na parte alta do Itatiaia que fica uma de suas mais famosas atrações, o pico das Agulhas Negras, mas na parte baixa também existem locais muito procurados pelos turistas, como a cachoeira Véu de Noiva, com 40 metros de altura.
A biodiversidade também é rica na parte em disputa. Recentemente, por exemplo, foi descoberta ali uma nova espécie de besouro (Babelis leo). Na região também há animais difíceis de avistar, como a onça-parda, e o muriqui, maior macaco das Américas, criticamente ameaçado de extinção. Se o parque for reduzido, até mesmo sua sede histórica e sua pedra fundamental serão excluídos da unidade de conservação.

Proposta "nefasta"
A proposta de redução do Itatiaia foi atacada por ONGs e ambientalistas, dentre os quais a senadora e ex-ministra Marina Silva (PT). Para ela, propostas como essa são "nefastas" e abrem precedentes para questionamentos em outras unidades de conservação.
A senadora afirma que o parque é importante por ser o mais antigo do país e por estar numa região que já sofreu muito com a pressão sobre a mata atlântica. Ela defende que seja mantida a área do parque e seja feita a desapropriação das áreas particulares, com indenizações para aqueles que tiverem direito.
Clarismundo Benfica, chefe da Área de Proteção Ambiental Serra da Mantiqueira, concorda com ela. O parque, ressalta, ajuda a proteger a água que é consumida na região, que não precisa ser tratada. E, em sua opinião, quem mora dentro do parque é privilegiado pois se beneficia da conservação da beleza natural local e de um esquema de segurança 24 horas bancado pela União.
A Folha apurou que o estudo do ICMBio seria apresentado na semana passada ao ministro numa reunião que acabou sendo desmarcada. Procurado, Minc disse por meio de sua assessoria de imprensa que só vai se manifestar após ter acesso ao relatório. A Folha também tentou ouvir na semana passada o ICMBio, sem sucesso.


Prefeito é dono de casa e hotel dentro de território em disputa

Da enviada a Itatiaia (RJ)

Um dos mais ilustres habitantes do Parque Nacional do Itatiaia -proprietário de uma residência e dono do hotel Ypê, ambos dentro da unidade de conservação- é o prefeito de Itatiaia. Luiz Carlos Bastos, que se elegeu com o nome Luiz Carlos Ypê (PP), diz que só há duas formas de resolver a questão fundiária local: desapropriar e pagar quem mora na parte baixa do parque ou simplesmente exclui-la do mapa da unidade.
Segundo ele, isso não causaria degradação porque os moradores têm consciência ambiental. "Em dezembro deste ano completo 50 anos dentro do parque", diz. "Sempre procurei ser parceiro."
A proposta de reduzir o parque foi lançada pela AAI (Associação Amigos do Itatiaia). Segundo ela, caso esse plano dê errado, há receio de o governo não pagar devidamente a indenização pelas desapropriações.
"Seremos fiscais terríveis se houver desapropriação. Verificaremos se as construções serão derrubadas, onde vão colocar o entulho", afirma Heizer. "Da mesma forma, se o parque for desmembrado, eles [críticos da AAI] também devem se tornar rígidos fiscais."
Segundo a presidente da entidade, a maior parte do ex-núcleo colonial se tornou parque só em 1982. Se isso for confirmado, mais pessoas teriam direito à indenização, pois não teriam chegado ao parque como invasoras. No entanto, um mapa do ICMBio mostra que a área já estava demarcada como sendo do parque em 1937.
Outra preocupação da AAI é que a polêmica sobre a demarcação do parque fez os preços dos imóveis na área caírem. Uma propriedade que valia R$ 400 mil, segundo Heizer, já foi vendida por R$ 100 mil.
Bastos, o prefeito, diz que o antigo núcleo colonial foi quem iniciou a recuperação da mata na região, degradada pela criação de gado. Como justificativa para reduzir o parque, ele afirma que o local já tem feições urbanas. "Lá tem linha de ônibus regular, recolhimento de lixo, transporte escolar, rede elétrica", diz. O prefeito afirma que o parque não gera receita para a cidade, só encargos, e que as casas e hotéis na parte baixa geram cerca de 200 empregos.

Guerra de assinaturas
A polêmica proposta de redução do parque gerou dois manifestos. O "Manifesto pelo integridade do parque nacional do Itatiaia", lançado em novembro passado pelo Mosaico da Mantiqueira, entidade ligada às unidades de conservação da região, defende a manutenção da área atual do parque e obteve 1.986 assinaturas. Em janeiro, a AAI apresentou seus argumentos na "Proposta para Regularização Fundiária do Núcleo Colonial Itatiaya", que tem 1.111 assinaturas. (AB)

FSP, 11/05/2009, Ciência, p. A13
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