Turismo protege e gera negócios

OESP, Vida, p. H6 - 06/11/2008
Turismo protege e gera negócios
Mas iniciativa pode ser ruim, se não preservar área da qual se beneficia


Giovana Girardi

Na teoria, talvez uma das formas mais óbvias de lucrar com a conservação do meio ambiente seja o ecoturismo, mas, na prática, ainda há muitos equívocos nesse sentido, em especial no Brasil. Por aqui não são raros os casos em que a atividade adota uma postura oposta à conservacionista. E o governo ainda não conseguiu emplacar o turismo como uma maneira de trazer renda para suas unidades de conservação (UCs).

Só de parques nacionais, uma das categorias de UC que permitem visitação, o Brasil possui 63, mas nem metade está aberta aos turistas e mesmo alguns dos que estão carecem de infra-estrutura adequada. Em razão disso, por ano, em média somente 3,5 milhões de pessoas visitam os parques, sendo que a maior parte se divide em dois, o da Tijuca e o do Iguaçu.

Historicamente, o País não associou turismo com conservação. "A verdade é que os órgãos administrativos sempre foram resistentes a visitantes dos parques, com medo de que eles pudessem ameaçar a preservação. Nós não abrimos os parques eficientemente", admite o coordenador-geral de visitação e do uso público do Instituto Chico Mendes, Julio Gonchorosky.

Agora, o governo quer tentar melhorar essa situação e, em setembro, lançou um programa de incentivo ao turismo. "Queremos ter um bom usuário nos parques para poder coibir o mau, que é o madeireiro, o caçador, o palmiteiro", diz.

Inicialmente, serão investidos R$ 28 milhões em seis parques nacionais considerados prioritários: de Aparados da Serra (SC/RS), da Chapada dos Veadeiros (GO), dos Lençóis Maranhenses (MA), da Serra dos Órgãos (RJ), do Jaú (AM) e da Serra da Capivara (PI). Os parques de Fernando de Noronha, de Abrolhos e o próprio Iguaçu também receberão atenção, especialmente para o fechamento de contratos de concessão de serviços.

De acordo com Gonchorosky, esse investimento está previsto para continuar nos próximos cinco anos, quando se espera que pelo menos dois terços dos parques nacionais tenham infra-estrutura interna e de acesso para o turismo. Os demais, porém, devem continuar isolados por mais um tempo.

MAU EXEMPLO

Mas os desafios da área não param aí. Fora dos parques, o problema passa a ser cuidar do que é feito nas áreas particulares. Segundo especialistas do setor, os principais problemas estão aí. "O turismo é a indústria que cresce mais rápido no mundo e o ecoturismo é o segmento que cresce mais rápido dentro do turismo. Mas a verdade é que há um placar muito desigual sobre as contribuições desse turismo para a conservação", comenta o ambientalista Michael Jenkins, presidente da ONG Forest Trends.

Um exemplo de preocupação zero com preservação vem ocorrendo no Pantanal. Nos últimos anos, a região passou a atrair milhares de turistas interessados em ver os animais típicos. Obviamente essa é uma experiência que depende de sorte, mas alguns proprietários de pousadas têm dado um jeitinho de inflar essa sorte.

"Temos visto o pessoal tentar atrair onça com comida para mostrar ao turista. Mas isso é muito perigoso, porque muda o comportamento do bicho. Quando dão alimento e acostumam as onças a pegar comida sempre em um determinado lugar, elas perdem o medo de gente e passam a associar o homem ao alimento", afirma o biólogo Peter Crawshaw, maior especialista brasileiro no felino.

De acordo com Jenkins, o ecoturismo verdadeiro tem de responder a dois princípios fundamentais. "O primeiro é: (os empresários) estão apoiando a ecologia e a conservação da área da qual estão se beneficiando? O outro é sobre o negócio em si. As pessoas empregadas pertencem às comunidades locais? Elas estão se beneficiando dessas atividades? Há salários adequados? Porque muitas vezes há comunidades locais vivendo em torno das áreas de operação de ecoturismo e elas devem participar e se beneficiar do ecoturismo", defende.

BOM EXEMPLO

Foi com mais ou menos esse espírito que, há 16 anos, a empresária paulista Vitória da Riva Carvalho iniciou a construção de um pequeno hotel na região do Rio Cristalino, no município de Alta Floresta (MT), no meio da Floresta Amazônica e na beira do arco do desmatamento.

No início dos anos 90, ela tinha comprado ali uma área de 700 hectares, que posteriormente seria transformada em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Filha de um dos fundadores de Alta Floresta, Vitória tinha o sonho de poder manter a mata em pé com seu próprio negócio.

A idéia, que começou com o ecoturismo, acabaria se transformando em uma das principais iniciativas para a conservação da região. "As primeiras pessoas que recebemos foram cientistas, em especial ornitólogos, que perceberam que a área era a melhor da Amazônia para a observação de aves", conta a empresária. Logo se notou que o Cristalino tinha o potencial de ser uma das regiões mais biodiversas da Amazônia.

"Isso tudo nos mostrou que era preciso preservar tudo aquilo. Na frente do hotel havia mais três áreas particulares que eu sabia que, se eu não comprasse, seriam desmatadas", lembra a empresária. Duas dessas propriedades já viraram RPPNs. Pouco tempo depois, na rabeira desse trabalho conservacionista, seria criado o Parque Nacional do Cristalino, que recebe hoje, por influência de Vitória, pesquisadores de todo o mundo.

Neste ano, foram descobertos, em uma das RPPNs e no parque, três novas espécies de plantas. Mais de 570 espécies de aves já foram observadas no local. Os turistas colaboram. Deles, Vitória cobra uma taxa de US$ 50, que é revertida para o ambiente.

OESP, 06/11/2008, Vida, p. H6

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