Problemas no paraíso

O Globo, Planeta Terra, p. 12-17 - 26/07/2011
Problemas no paraíso
Inspiração para livros e filmes, Monte Roraima sofre com velhas práticas inimigas da natureza

Cesar Baima
cesar.baima@oglobo.com.br

RIO - Localizado em uma das regiões mais isoladas do planeta, na fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, o Monte Roraima é lar de espécies únicas da fauna e da flora da América do Sul. Inspiração para livros como "O mundo perdido", de Sir Arthur Conan Doyle, e filmes como "Up - Altas aventuras", da Pixar/Disney, esta enorme mesa de pedra (conhecidas como tepui, "montanha" ou "casa dos deuses" no dialeto dos índios pémon, que habitam a região) de mais de 2,7 mil metros de altura na Amazônia atrai cada vez mais turistas de diversas partes do mundo. Mas o aumento no número de visitantes, associado ao histórico descaso das autoridades dos países que dividem o território da montanha e antigas práticas danosas ao meio ambiente ainda usadas pelos habitantes da região, está começando a causar problemas no paraíso.
Queimadas, pichações, lixo e poluição foram algumas das agressões registradas pela equipe de expedições Miramundos durante viagem ao Monte Roraima no início deste ano. A aventura pôde ser acompanhada pelos leitores do site do GLOBO em um blog atualizado direto do alto da montanha pelos integrantes do grupo, dedicado a explorações jornalísticas e fotográficas.
Relatório aponta agressões ao ambiente
Rafael Duarte, fundador da Miramundos, conta que, ao mesmo tempo em que a beleza da paisagem surpreendeu os integrantes do grupo, as condições no próprio Monte Roraima e à sua volta geraram preocupação, levando à elaboração de um relatório sobre suas vulnerabilidades ambientais e sugestões de medidas para enfrentá-las. Produzido pela Miramundos, Brasil S e Instituto E, ele foi entregue a autoridades do Brasil e da Venezuela.
- Inicialmente, este relatório não fazia parte do nosso projeto - revela Duarte. - Mas, como estávamos com um consultor ambiental no grupo e em um local que supostamente ainda devia estar intacto, decidimos fazer essa crítica construtiva. Não é um documento técnico propriamente dito, mas é como se fosse nossa colaboração por tudo que vivemos e experimentamos lá.
Além de Duarte, participaram da aventura Jaime Portas Vilaseca, outro fundador da Miramundos, o consultor ambiental Roberto Vámos, Gabriel Mendes (fotógrafo e diretor de cinema), Miguel Villela (corredor de aventura), Manu Vilaseca (multiesportista), um guia e quatro índios venezuelanos. Segundo ele, os problemas começam já na aldeia indígena de Paraitepuy. Localizada no lado venezuelano da fronteira, ela é o ponto de início da única trilha que permite chegar ao cume da montanha caminhando. Do Brasil e da Guiana, os enormes paredões da montanha só podem ser conquistados por alpinistas experientes.
- Desde que chegamos na aldeia até o topo do Monte Roraima, nos deparamos com condições que nos estimularam a registrar - relata Duarte. - Além disso, da aldeia até o pé do monte são dois dias de caminhada. Então, ao longo da expedição conversamos muito entre nós, com o guia e os índios sobre o que estávamos observando.
Em Paraitepuy, o grande problema é o lixo, tanto o produzido pelos 200 a 300 habitantes locais quanto o trazido pelos visitantes. Não há lixeiras nem coleta regular e os restos do consumo humano - como latas, sacos plásticos, fraldas descartáveis etc - acabam se acumulando no chão e no mato em volta da aldeia.

- Também não há uma cultura de pegar o material que não é biodegradável e separar - lamenta Duarte. - O que acontece é que, informalmente, as empresas de turismo voluntariamente recolhem o lixo e o levam em seus próprios carros até o ponto de coleta mais próximo. Nossa proposta é tornar isso uma regra na visitação, pois, enquanto a aldeia não virar uma cidade, a solução destes pequenos problemas só se dará de forma cooperativa da.
Já na trilha rumo ao monte, foram as grandes queimadas que chamaram a atenção do grupo. Com a desculpa de fertilizar a terra, manter o mato baixo, espantar pequenos animais peçonhentos ou mesmo apenas para limpar o terreno, os índios põem fogo na vegetação local.
- Os nativos dão várias explicações para fazerem isso, mas, independentemente da razão, o fato é que as queimadas acontecem de forma exagerada e descontrolada - critica Duarte.
Segundo ele, até meados do século passado a região tinha várias galerias de florestas misturadas a uma cobertura vegetal parecida com a savana. Essas áreas de floresta, porém, foram praticamente dizimadas por um grande incêndio descontrolado há mais de 50 anos.
- Hoje, restam na região apenas pequenas galerias de floresta, em geral próximas dos rios - conta Duarte. - No caminho até o monte, vimos vários tocos de madeira queimados deixados para trás pelos incêndios.
Presença humana deixa marcas no topo
Já no alto do Monte Roraima, com uma área de mais de 30 quilômetros quadrados dividida em cerca de 80% em território venezuelano, 15% pertencentes à Guiana e apenas 5% ao Brasil, a presença humana deixa suas marcas, tanto na forma de pichações nas paredes de pedra quanto na de restos largados por visitantes. Sem cuidados especiais, dejetos de necessidades fisiológicas básicas poluem os poços de água acumulada das chuvas e contaminam o ambiente, colocando em risco espécies únicas de plantas e animais.
- No topo não só do Roraima, mas também de outros tepuis da região, encontram-se várias espécies endêmicas, que evoluíram em isolamento - destaca o consultor ambiental Roberto Vámos, da Brasil S, um dos integrantes da expedição. - Por isso, a presença do homem é uma ameaça por si só.
Segundo Vámos, embora possam parecer poucas, as 3 mil a 6 mil pessoas que sobem anualmente o Monte Roraima provocam um impacto visível.
- As áreas de acampamento, por exemplo, estão pichadas - lamenta. - Encontra-se lixo ao longo de toda trilha, e lugares usados como banheiros perto dos acampamentos estão imundos. Outro problema pode ser a introdução acidental de animais e plantas invasoras, que podem tomar o lugar de espécies nativas. Se a frequência aumentar, estes problemas só vão piorar.
Joaquim Magno de Souza, diretor geral da Roraima Adventures, uma das empresas que promovem excursões ao topo da montanha, diz que a conscientização e o manejo apropriado dos dejetos são uma preocupação constante do seu serviço. Segundo ele, a frequência de turistas está bastante intensa e a demanda tem aumentado bastante, principalmente entre os brasileiros.
- Temos como regra a pré-orientação do visitante antes de iniciar a viagem, com uma reunião prévia detalhada e técnica sobre os procedimentos e conduta de cada pessoa durante a expedição, a assinatura de um termo onde cada um se compromete e se responsabiliza no cuidado com o ambiente, e disponibilizamos como parte da nossa logística um sistema de coleta e transporte dos resíduos produzidos durante toda a viagem - explica.
A questão, conta Rafael Duarte, da Miramundos, é que muitos turistas acabam contratando guias clandestinos que os abordam na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, a mais próxima do Monte Roraima, e fazem a viagem despreparados.
- Infelizmente, nem todos que vão lá têm cuidado com o ambiente, principalmente os que vêm do lado da Venezuela - diz. - Os viajantes chegam a Santa Elena e vários guias clandestinos se oferecem para levá-los ao monte. Vimos muita gente fazendo a viagem de forma amadora, com tudo muito precário e sem preparação. E o pior é que não é difícil fazer uma expedição com uma estrutura mínima que vise à conservação do local.
Tanto para Vámos quanto para Duarte, uma forma de coibir isso seria uma fiscalização mais rigorosa do acesso ao Parque Nacional de Canaima, na Venezuela. Embora o registro seja obrigatório a todos visitantes, muitos passam pela entrada sem sequer serem abordados pelos guardas.
- Exemplos concretos seriam a cobrança de uma taxa alta para ingresso e permanência no parque, além da obrigação de os guias serem da região e terem uma formação profissional - defende Vámos. - Os visitantes devem chegar com uma consciência ambiental que minimize os impactos, para que tenham não só uma experiência de contato com a natureza como também uma lição de preservação - reforça Duarte.
Apesar das agressões ambientais registradas durante a expedição, Duarte destaca que a estadia no topo do Monte Roraima é uma experiência única que recomenda a qualquer interessado em turismo de aventura.
- Os problemas que encontramos não comprometem a beleza e magnitude ambiental do local. O Monte Roraima não está agonizando, mas, se nada for feito, ele pode agonizar em pouco tempo - conclui o fundador da Miramundos, que, mais de três meses depois de entregar o relatório, ainda aguarda uma resposta das autoridades venezuelanas.

O Globo, jul., Planeta Terra, p. 12-17
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