Pelo direito à contemplação

O Globo, Opinião, p. 21 - 10/05/2014
Pelo direito à contemplação
Preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica é objetivo básico de parque nacional

Luciana Portal Gadelha

A beleza cênica do primeiro parque nacional do Brasil - o de Itatiaia, criado em 1937 - e do Parque Nacional Serra da Bocaina está prejudicada por antenas gigantes de Furnas. Pelo direito dos visitantes a contemplar as belezas das unidades e por questões ambientais, tramita no Ministério Público Federal, desde 2010, um inquérito civil público que trata de um peculiar conflito de interesses entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Furnas. A questão consiste na utilização de espaços de conservação para instalações da empresa pública, como torres com antenas de transmissão de micro-ondas e construções/imóveis de apoio.
Trata-se de situação conflituosa, haja vista que, segundo a legislação em vigência, o parque nacional, como unidade de conservação de proteção integral, tem como objetivos básicos a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. Por outro lado, Furnas alega que a manutenção das instalações da empresa na região, por sua localização estratégica, é primordial para a segurança de seu sistema de comunicações, e também para a integridade do sistema elétrico nacional.
Sem entrar na discussão a respeito da possibilidade (ou não) da permanência das estruturas da empresa dentro dos parques nacionais, faz-se necessária a adoção, por Furnas, de medidas urgentes para a minimização e a compensação dos impactos socioambientais causados pelas instalações na área. Em vistoria, realizada nos últimos dias 9 e 10 de abril por representantes do MPF, do ICMBio e da empresa, pôde-se constatar in loco o efeito deletério das estruturas de Furnas para a experiência de visitação do turista. É visitar e constatar.
O visitante que chega à parte alta do Parque Nacional de Itatiaia se vê impedido, por exemplo, de contemplar o Morro do Couto, o segundo ponto mais alto do parque e do Estado do Rio e o oitavo mais alto do país, devido à presença de uma estação repetidora de Furnas no local. A experiência de contemplação e de contato do turista com a natureza é inevitavelmente prejudicada pelas instalações da empresa na área, que, visivelmente, destoam da beleza cênica do local.
Da mesma forma, a empresa mantém uma grande torre com antena de retransmissão de micro-ondas em região com vista estratégica para um dos principais pontos do Parque Nacional de Itatiaia, qual seja, o Pico das Agulhas Negras. Na verdade, o acesso a essa área de visitação é restringido por correntes e cadeados instalados pela empresa.
Em avançando o termo de compromisso proposto pelo MPF a Furnas, serão adotadas inúmeras providências com a finalidade de minimizar/compensar os graves impactos causados há décadas pelas instalações da empresa.
Espera-se que Furnas honre os compromissos firmados, nacional e internacionalmente, com a sustentabilidade socioambiental, promovendo com urgência o cumprimento das medidas para a mitigação e a compensação dos danos ambientais causados pela presença de suas instalações no interior do Parque Nacional Serra da Bocaina e do Parque Nacional de Itatiaia.
Luciana Portal Gadelha é procuradora da República em Resende

O Globo, 10/05/2014, Opinião, p. 21

http://oglobo.globo.com/opiniao/pelo-direito-contemplacao-12444158
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