País atingirá metas de conservação?

O ECO - www.oeco.com.br - 10/03/2009
Proteger ao menos dez em cada cem hectares do Pantanal, do Cerrado, da zona marinha e de outros biomas. Esse é compromisso do Brasil junto às Nações Unidas. O prazo se encerra em menos de dois anos. Na Amazônia, a situação é favorável, enquanto outras regiões estão praticamente abandonadas. O rombo tem o tamanho da Bahia. Índices e privilégio da floresta são criticados por especialistas.

O país assinou a Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) em junho de 1992 e uma de suas metas mais relevantes aponta para a conservação de, ao menos, 10% das "regiões ecológicas" do planeta em parques, reservas biológicas, áreas de proteção ambiental e afins. A medida foi reforçada pelo Ministério do Meio Ambiente em janeiro de 2007. Tudo é atrelado à sobrevivência de inúmeras espécies de animais e de plantas, da chamada biodiversidade, e à manutenção de serviços ambientais como fornecimento de água e matérias-primas e regulação do clima.

Todavia, as 300 áreas protegidas federais e as mais de 400 unidades estaduais reconhecidas por lei são insuficientes para quitar os débitos nacionais em temos de conservação.

Excetuando-se a grande floresta ao norte do país, a situação é grave em todos os biomas. Os déficits somados chegam a 538 mil quilômetros quadrados (Km2), ou quase o tamanho da Bahia. Esse rombo do tamanho de um estado se encontra principalmente na Zona Costeira, seguida pelo Cerrado, Pantanal, Pampa, Caatinga e Mata Atlântica, que nem teria florestas suficientes para compor 10% de área preservada. "Nesse bioma, precisamos de recuperação de áreas e de conservação integral. Essa e outras regiões são o patinho feio da conservação nacional", ressaltou José Luiz Franco, coordenador-executivo do Observatório de Unidades de Conservação da Universidade de Brasília (UnB).

Além da área insuficiente, a quase totalidade das unidades de conservação amarga problemas fundiários, de demarcação, de falta de infra-estrutura e pessoal para gerenciamento, fiscalização e visitação. Dados oficiais mostram que, das 300 áreas federais protegidas, 173 (quase 58%) não têm sequer um fiscal e 82 não possuem nenhum servidor. Além disso, só 73 têm planos de manejo para garantir um uso mais adequado. O primeiro parque nacional, o de Itatiaia, até hoje não resolveu seus problemas fundiários. Quase todas as demais reservas ambientais enfrentam problema semelhante. dos 770 mil Km2 em unidades federais de conservação, quase 400 mil Km2 precisam de regularização.

Afinal, o quê conservar?

Reservas ecológicas federais e estaduais somam 1.386.130 Km2, sendo 871.052 Km2 (63%) em áreas de uso sustentável. Franco, da UnB, comenta que essas unidades toleram a presença e atividades humanas, como manejo florestal e extrativismo, e que não há mecanismos muito precisos para se avaliar a real conservação da biodiversidade em seu interior. "Muitas dessas áreas apresentam problemas, como a Reserva Extrativista Chico Mendes (AC), com introdução de gado, desmatamento, caça, queimadas e conseqüente perda de biodiversidade", disse.

O pesquisador também salienta que as taxas de conservação carecem de maior embasamento técnico. Segundo ele, não sabe na prática com quanta vegetação remanescente um bioma pode entrar em colapso, ou seja, se conseguirá sobreviver com o que resta de vegetação. "Fatores como esses deveriam ser observados com mais cuidado, para sabermos se as áreas protegidas estão realmente cumprindo seu papel", disse.

Boa parte dos mais de nove mil hectares da Floresta Nacional de Brasília (DF), por exemplo, é coberta por pinus e eucaliptos. A unidade, no entanto, entra na conta governista para preservação da biodiversidade do Cerrado. Um estudo do WWF e Ibama mostrou que reservas extrativistas, áreas de proteção ambiental e outras unidades de conservação de uso sustentável são mais vulneráveis à caça, espécies exóticas, presença de populações, pesca, expansão urbana e agricultura. Os impactos têm alvo certo: a biodiversidade.

Conforme Ricardo Machado, diretor do Programa Cerrado-Pantanal da Conservação Internacional/Brasil (CI), a meta global de 10% não tem base científica e um sistema de áreas protegidas mais eficiente deveria ser focado em espécies endêmicas (que só vivem em certos locais) e ecossistemas críticos, ameaçados pelo desmate e outras ações humanas. Assim, a meta de conservação seria variável, podendo chegar a 70% em uma região e a 5% em outra, por exemplo. "Não dá para passar uma régua e falar que são 10%. Isso desestimula estados como o Amapá, que tem 70% do território protegido. O que dizer para os amapaenses? Que a meta foi alcançada e agora podem parar de proteger?", questionou.

Além disso, os objetivos das Nações Unidas conflitam com o próprio Código Florestal Brasileiro, que prevê a conservação de 20% a 80% dos biomas, dependendo da região. "Se o código exige um mínimo de 20% de vegetação nativa, então por que a meta interna não é de 20% para conservação? Cada região poderia ter um misto de áreas publicas e privadas que somassem esse porcentual", disse Machado. Biomas esquecidos pela conservação oficial ganhariam um pouco de fôlego, pelo menos.

Criação de áreas em baixa

Entre 2004 e 2007, foram criados 20,3 milhões de hectares em unidades de conservação federais e outros 20,1 milhões de hectares estaduais, principalmente na calha norte do Rio Amazonas, no Pará. Além disso, reservas já existentes ganharam 390 mil hectares em ampliações. Somando tudo, 40,8 milhões de hectares (área semelhante à soma de Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro) em áreas protegidas foram criadas no período. Em 2008, 5,9 milhões de hectares foram destinados a unidades de conservação.

Segundo levantou O Eco, pelo menos uma dezena de áreas protegidas transitam pelos escaninhos da Casa Civil. Elas somam 12.810 Km2, distribuídos na Amazônia (9.370 Km2), zona costeira (2.740 Km2), Mata Atlântica (690 Km2) e Cerrado (1.000 Km2). "O Ministério do Meio Ambiente perdeu a chance de atrelar um programa para a criação de mais unidades de conservação ao PAC - Programa de Aceleração do Crescimento", ressaltou Machado, da CI.

Em áreas quase que totalmente ocupadas, como Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa, o que sobrou de verde está praticamente todo dentro de fazendas. Nessas regiões, criar áreas protegidas dependerá de muito dinheiro para indenizações ou da boa vontade de proprietários privados ou governos estaduais.

Tão grave quanto isso, na visão de Franco, da UnB, é o fato de governos e população não reconhecerem ou não agirem frente aos problemas da perda de biodiversidade e da pindaíba das unidades de conservação no país. "Apesar da ligação óbvia entre os temas do clima e da biodiversidade, a sociedade tem se alertado muito mais sobre a crise climática do que sobre a da extinção de espécies. Estamos perdendo a corrida para a criação de áreas protegidas e reverter esse processo. A destruição é o único dado concreto", salientou.

Procurado desde a última sexta-feira (6), o Ministério do Meio Ambiente não indicou nenhuma fonte para comentar o assunto. Enquanto isso, o fim do prazo para que o Brasil cumpra suas metas internacionais de conservação desponta no horizonte de 2010. Mas, pelo andar da carruagem, os objetivos das Nações Unidas serão vistos como meros indicadores. Com a Amazônia preservada, tudo vai bem. Mesmo que tudo vá mal em sua vizinhança.
UC:Geral

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