Ibama estuda fazer desapropriações em Itatiaia

O Globo, Rio, p. 25 - 26/02/2006
Ibama estuda fazer desapropriações em Itatiaia
Medida polêmica atingiria hotéis e sítios existentes em parque nacional muito antes de a área virar reserva

Os donos dos sete hotéis, 18 sítios e mansões e associações de moradores localizados no Parque Nacional de Itatiaia, no Sul Fluminense, ameaçados de serem desapropriados, reúnem-se neste fim de semana para dar início a um movimento contra a decisão do Ibama. Segundo o órgão, só serão indenizados os que tiverem registros das terras. Com exceção dos hotéis, que passarão a ser administrados pelos vencedores de licitações, as outras propriedades seriam demolidas. Um grupo de trabalho, criado no ano passado, informou a decisão aos hoteleiros em janeiro. A equipe já está estudando os valores para as indenizações.
A iniciativa do Ibama virou motivo de polêmica entre hoteleiros e ambientalistas. O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, deputado Carlos Minc (PT), prepara uma audiência pública em abril para discutir o assunto.
Segundo o deputado, boa parte dos hoteleiros tem a preocupação de preservar a área, alertando o Ibama sobre a existência de focos de incêndio e caçadores. A idéia do deputado é que a manutenção dos atuais hoteleiros seja permitida por lei ou decreto, desde que eles se comprometam a investir ainda mais na preservação ambiental.
- A idéia é criar um conceito de hotel-parque, que torne o turismo um aliado ainda maior do meio ambiente. Para isso não é preciso desapropriar os hotéis, comprá-los para ocupá-los de novo após licitação. Basta combater a grilagem e demarcar as terras, já que na área existem cerca de 1.200 cabeças de gado, para garantir a preservação do parque - sugere Minc.
Ibama alega que precisa equacionar questão legal
Já o superintende regional do Ibama no Rio, Rogério Rocco, diz que as desapropriações têm o objetivo de sanar uma ilegalidade. Segundo Rocco, a Lei federal 9.985 de 2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, não permite a existência de propriedades particulares em parques nacionais.
- Os hotéis continuarão a existir no parque. Mas precisamos resolver a situação legal da área. Após a desapropriação, faremos uma licitação para escolher na iniciativa privada quem administraria os hotéis - diz Rocco.
Segundo o superintendente, nenhuma desapropriação será feita antes do segundo semestre. Rocco explica que uma equipe do Ibama ainda está elaborando um plano de regulação fundiária para o local. A elaboração do plano, que estabelecerá um cronograma para as desapropriações, faz parte dos eventos que vão comemorar os 70 anos de fundação do parque nacional, em 2007.
Os administradores dos hotéis estão muitos apreensivos.
- É terrorismo puro. Os hotéis foram construídos em terras adquiridas antes da criação do parque. Alguns já funcionavam antes de 1937. É uma manobra política. Querem transformar isso aqui em Ibamatour - reage o gerente do Hotel Simon, Álvaro Grau.
O Hotel Simon, o primeiro dos sete existentes no parque, começou a ser construído no início do século 20. No princípio, funcionou como uma pousada que atendia tropeiros que transportavam ouro de Minas para o porto de Paraty. Seu criador, Josef Simon, deixou a Lituânia aos 18 anos atraído por uma propaganda enganosa do governo brasileiro, de que a Serra de Itatiaia poderia produzir vinho de qualidade. Ele ganhou 250 mil metros quadrados de terra e mudas de parreiras, mas o vinho era ruim. Josef morreu há alguns anos e a família repassou o hotel a um grupo paulista meses atrás.
Álvaro faz críticas ao administrador do parque, Walter Behr, que até seis meses atrás administrava o Ibama no Amazonas.
- Se ele não conseguiu tirar o pessoal do Amazonas, que desmata, porque vai querer tirar a gente, que preserva?
Apesar de os hoteleiros afirmarem que até o fim do ano eles já estarão fora, o diretor do parque, Walter Behr, afirma que se trata de um processo que poderá durar vários anos:
- O Itatiaia tem que ser um modelo de parque nacional. Todos os que têm propriedade serão indenizados. A situação pior é dos que compraram terras de terceiros. Eles sabiam que corriam risco.
Segundo o diretor, as propriedades não têm licença ambiental e os hotéis exercem atividades ilegais. Behr cita, por exemplo, que em períodos como o carnaval, quando os hotéis ficam lotados, as fossas transbordam e os dejetos atingem o meio ambiente. Ele acha difícil os hoteleiros mudarem a situação e conseguirem convencer a União a transformar o parque em Área de Proteção Ambiental (APA) ou em Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN), o que asseguraria a permanência deles na reserva.
Os outros hotéis ameaçados de desapropriação são Ypê, Terra Nova, Donati, Cabanas e Aldeia dos Pássaros, no meio da serra, na parte de Mata Atlântica. Além das pousadas Toca dos Ursos e Alsene, a 2.400 metros de altitude, a dois quilômetros do Pico das Agulhas Negras, o ponto mais alto do Estado do Rio.
Os hoteleiros reclamam ainda que o trecho de nove quilômetros da BR-485 que dá acesso à reserva está esburacado, embora conste em Brasília que a estrada recebe manutenção duas vezes por ano. O parque também não recolhe o ISS sobre a cobrança de ingresso e estacionamento.

Saiba mais sobre a área
Localizado na Serra da Mantiqueira, o Parque Nacional de Itatiaia foi criado por decreto do presidente Getúlio Vargas em 14 de julho de 1937. Primeiro parque fundado no Brasil, tem 30 mil hectares e 110 quilômetros de perímetro que ocupam três estados: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. 0 nome Itatiaia tem origem indígena e em português significa "penhasco cheio de pombas". 0 acesso principal, a 156 quilômetros do Rio, se dá por uma estrada que começa na Via Dutra na altura de Itatiaia.
As terras do parque pertenciam à família do Visconde de Mauá e foram compradas pela União em 1908.
As discussões para a transformação da área em parque começaram em 1913. 0 primeiro a defender a idéia foi o botânico Alberto Lofgren, numa conferência na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. 0 projeto, porém, só avançou a partir de 1929, quando foi fundada uma estação biológica no local, com biblioteca especializada em ciências biológicas (botânica e zoologia) e ambientais. 0 acervo tem cerca de 90 obras raras escritas no século 19.
Ao todo, 294 espécies de aves e 42 de mamíferos são encontradas na região. Muitas, ameaçadas de extinção. A média de visitantes passa de cem mil por ano.

O Globo, Rio, 26/02/2006, p. 25
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