Do espaço, a prova de que o verde venceu

O Globo, Rio, p. 11 - 28/05/2017
Do espaço, a prova de que o verde venceu

Ana Lúcia Azevedo

Em meio à enxurrada de perdas ambientais dos últimos meses, o mais antigo parque nacional do país tem uma boa notícia, que, aliás, veio do espaço. Satélites comprovaram que a existência da unidade de conservação não impediu o desenvolvimento urbano e econômico da região em que está localizada - pelo contrário, até o ajudou, por preservar recursos fundamentais para várias cidades, como nascentes de rios que as abastecem. Um levantamento exclusivo feito pelo MapBiomas (Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil) a pedido do GLOBO revela que o Parque Nacional do Itatiaia (PNI) protegeu a Mata Atlântica no mesmo período em que municípios fluminenses à sua volta aumentaram seus parques industriais.
A cidade de Itatiaia, por exemplo, teve uma expansão urbana e industrial de 47% entre 2000 a 2016, período de análise do MapBiomas, sem arrancar um centímetro do parque. Resende, 9% e a vizinha Porto Real, 73%. Fundado em 14 de junho de 1937, o PNI completa 80 anos em junho. Mesmo sob ataque de desmatadores, caçadores, palmiteiros, ele mostra que o esforço para mantê-lo proporciona retorno positivo.
Na região mais urbana do Brasil, à beira da Via Dutra, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo, o parque do Itatiaia forma literal ilha de verde no oceano de devastação do Vale do Paraíba. Corpo e alma do parque, as montanhas da Mantiqueira encastelam uma das áreas mais conservadas da Mata Atlântica. O parque protege as nascentes de rios que abastecem 12 bacias hidrográficas.
O papel positivo do PNI é tão evidente que nem precisa desenhar. Por meio do olhar dos satélites, se enxerga os limites do parque em forma de linhas de florestas. Além delas, pastagens devastadas, intragáveis até para as vacas.
- Impossível não se encantar com o Parque Nacional do Itatiaia. O valor de sua existência fica patente. Hoje vemos que as florestas do entorno até aumentaram. Áreas devastadas começam a se regenerar. Unidades de conservação são um instrumento fundamental de ordenação fundiária - afirma o coordenador-geral do MapBiomas, Tasso Azevedo.
O MapBiomas, iniciativa do Observatório do Clima e do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, é maior esforço de mapeamento da cobertura vegetal do país.
- Se deixada em paz, a Mata Atlântica brota e se regenera. E vemos que as cidades fluminenses na região do PNI tiveram uma grande expansão, mas isso não afetou o bioma. A unidade de conservação ordenou o uso do solo e o desenvolvimento - salienta Marcos Reis Rosa, da ArcPlan, coordenador de Mata Atlântica e Pantanal do MapBiomas.
O chefe do Parque Nacional do Itatiaia, Gustavo Tomzhinski, diz que nessas oito décadas defender a integridade das áreas protegidas pela força da lei não tem sido tarefa fácil. O PNI vive às voltas com questões fundiárias não resolvidas e a pressão sobre seus limites, agravada justamente por estar no coração da área mais urbanizada do país. Para ele, no cerne da solução está a compreensão pela sociedade que se trata de um patrimônio público:
- O maior desafio e o maior presente que o parque poderia ganhar são conquistar mais participação da sociedade. Queremos que as pessoas saibam que o parque nacional pertence a elas, que o conheçam, o usufruam de forma sustentável e o defendam.
Ele diz que o ICMBio sozinho não é suficiente para que os parques nacionais cumpram integralmente sua missão, e que por isso tem feito parcerias com entidades ambientais, empresas e instituições de pesquisa.
Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa de Mata Atlântica e Marinho do WWF-Brasil, acrescenta que as unidades de conservação são instrumentos de desenvolvimento. Eliminar obstáculos ao desenvolvimento foi justamente o argumento usado no Senado para aprovar na última semana medidas provisórias que reduziram uma área de 598 mil hectares de unidades de conservação na Amazônia.
- O PNI mostra que a verdade é exatamente o contrário. Um estudo americano revelou que cada US$ 1 investido em parques gera US$ 10 para a região em atividades sustentáveis - acrescenta Anna Carolina.
Primeiro dos parques, um dos últimos bastiões de florestas originais pré-Descobrimento - em toda a Mata Atlântica restam meros 3% delas - o Itatiaia é uma usina de símbolos e biodiversidade. Especialistas como Tomzhinski e Anna Carolina esperam que agora se torne mais um, o da conservação em parceria com a sociedade.
- Natureza não é ameaça ou obstáculo. É fonte de desenvolvimento e bem-estar - frisa Anna Carolina.

Disputas fundiárias

Engolidas mais um pouco a cada a dia pela mata, as ruínas do antigo Hotel Simon, desativado em 2009, materializam o fantasma da disputa fundiária que assombra as unidades de conservação do Brasil. O hotel foi finalmente comprado há cerca de um mês pelo ICMBio, que agora estuda uma destinação para área - a criação de um centro de pesquisas de biodiversidade é uma delas. Mas o fantasma continua vivo, já que a União é a proprietária de apenas 52% dos 28 mil hectares do Parque Nacional do Itatiaia.
Nascido nas terras de antigas fazendas do Vale do Paraíba, o Parque Nacional do Itatiaia trava disputas fundiárias de berço. Gustavo Tomzhinski, chefe do PNI, explica que a regularização fundiária tem avançado, mas ainda há conflitos:
- É um tema polêmico porque envolve um conflito entre os interesses privados e os da sociedade. Temos buscado avançar preferencialmente com aquisições amigáveis e recebimento de doações de áreas pelo sistema de Compensação de Reserva Legal. Ainda existem cerca de 300 propriedades particulares dos mais diversos tamanhos dentro do parque. A maior parte dessas áreas não tem residências ou edificações.


MPs ameaçam florestas

Há um ano o Brasil era considerado líder mundial em áreas protegidas. Não mais. É agora o cenário da maior ofensiva para eliminar ou reduzir unidades de conservação e transferir a titularidade de terras públicas para invasores, afirma um relatório do WWF.
Nos últimos meses três medidas provisórias e um projeto de lei aprovados ameaçam tirar de unidades de conservação da União uma área de 80 mil quilômetros quadrados. É o maior ataque contra áreas protegidas do país, afirma Jaime Gesisky, especialista em políticas públicas do WWF.
Saem as florestas entram exploração de minério, o gado e as plantações. São terras em Pará, Amazonas e Santa Catarina que somadas equivalem a um Portugal.
- Não há precedentes na História do Brasil de tamanha redução de áreas verdes e ataques à legislação ambiental. O Congresso, com o apoio do governo federal, tem transferido terra pública para criadores privados de gado, para mineradoras - destaca Gesisky.
Aprovadas pelo Senado na última terça-feira e à espera de sanção do presidente Michel Temer, as medidas provisórias 756 e 758 promovem a maior redução de proteção de unidades de conservação já feita no Brasil, cerca de 600 mil hectares de florestas na Amazônia, uma área maior, por exemplo, do que a do que o Distrito Federal.
A 759 regulariza a situação fundiária de áreas públicas invadidas e, por isso, é chamada por ambientalistas como MP da grilagem. Já o PL 3.751, de autoria do deputado Toninho Pinheiro (PP-MG), extingue a criação de unidades de conservação cujos proprietários não foram indenizados no período de cinco anos.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) calcula em pelo menos 56 mil quilômetros quadrados a extensão de terra privadas ainda não indenizadas no interior de UCs federais. Mas, de acordo com o próprio ICMBio, esse número pode chegar a 100 mil quilômetros quadrados. Ou mais de um Portugal.
- E impossível não ver um nexo entre a corrupção revelada pela Lava-Jato, as ligações do Congresso e do Executivo com os grande ruralistas e a facilidade da ofensiva sem precedentes às áreas protegidas _ frisa Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, a maior coalização de organizações ambientais do Brasil, que apresentou uma carta aberta contra a corrupção e em apoio à Operação Lava-Jato.
A carta lembra que no centro da crise estão grandes empresas como a JBS, a maior companhia do agronegócio brasileiro e financiadora de campanhas eleitorais.
- Depois do impeachment de Dilma se criou um novo equilíbrio de forças no Congresso. E a bancada ruralista, que já era muito poderosa, ganhou ainda mais espaço, pois está na base de sustentação do governo Temer. Essa bancada aproveitou o momento para aprovar uma série de projetos que estavam parados e apresentou novos - destaca Rittl.
A MP 758 alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção do Tapajós, ambos no Pará. O parque perdeu 101 mil hectares de uma só vez. Agora, se sancionadas por Temer, essas florestas poderão receber gado, plantações e mineração.
Já com a MP 756, o Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, perdeu 20% de seu território. O parque protege remanescentes de florestas de araucárias e nascentes de aquíferos. Mas as áreas eram reclamadas por produtores rurais.
- O mais impressionante é que Santa Catarina nem estava no texto original da MP. Ela visava a reduzir o Parque Nacional do Rio Novo e a Floresta Nacional do Jamanxim, ambos no Pará. Jamanxim é a UC mais atingida por desmatamento. Mas em vez de combater os invasores, o governo achou melhor entregar de vez as terras para eles - salienta Gesisky.

O Globo, 28/05/2017, Rio, p. 11

https://oglobo.globo.com/rio/do-espaco-prova-de-que-verde-venceu-21400975
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