Diversidade em risco

O Globo, Planeta Terra, p. 18-23 - 26/07/2011
Diversidade em risco
Compensação ambiental paga por projetos de geração de energia financia programas de pesquisa na Amazônia

Vivian Oswald

Brasília. Motivo de polêmica pela sua dimensão e capacidade de afetar o meio ambiente, empreendimentos bilionários como as usinas hidrelétricas que estão sendo construídas na Amazônia podem ser usados para inventariar a biodiversidade. Os recursos que as empresas são obrigadas a investir em pesquisas como compensação ambiental pelas licenças para se estabelecerem na região têm alavancado projetos importantes e já começam a render frutos. Novas espécies de animais e plantas desconhecidas do meio científico e descobertas arqueológicas ajudam a destrinchar os mistérios amazônicos.

Em Rondônia, 807 tipos de peixes diferentes foram catalogados nos programas financiados pela usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Alto Madeira. Entre eles, 40 são novas espécies como o Phreatobius, que vive nos lençóis freáticos da região sem qualquer acesso à luz. Um peixe com pulmões capaz de respirar fora d"água e uma raia que nunca havia sido vista no Rio Madeira também estão na lista das descobertas. Os resultados das pesquisas da chamada ictiofauna fizeram do rio o mais rico em espécies de peixes da Amazônia e do mundo. A coleta de informações se dá em uma área de 1.700 km², que começa na foz do Madeira e vai até a Bacia do Iguaporé.

- Não existe, em outras bacias, trabalho tão extenso como este. O objetivo é caracterizar a região bem antes do chamado barramento da usina. A partir dos dados levantados, pode-se saber onde as espécies estão se reproduzindo, o que comem e onde se alimentam - disse Carolina Dória, coordenadora do Laboratório de Ictiofauna e Pesca da Universidade de Rondônia.

Na cidade de Oriximiná, no Pará, pelo menos cinco novas espécies de orquídeas e bromélias foram descobertas e já estão em processo de descrição. O trabalho iniciado em 2009 pela STCP Engenharia de Projetos é financiado pela companhia Mineração Rio do Norte (MRN), responsável pela exploração de bauxita na área, e deu origem a um banco genético da região do oeste do Pará. A MRN, porém, não pode divulgar fotos e nomes das espécies novas antes de confirmação pela comunidade científica por meio de todas as análises necessárias, tais como o DNA das plantas.

Antes do início da exploração, os pesquisadores vão até as áreas que serão afetadas para identificar a vegetação, resgatar as chamadas epífitas (orquídeas e bromélias) e reintroduzí-las em locais que estejam em processo de recuperação ambiental. Se não estiverem em condições, as espécies são submetidas a um processo de aclimatação em um orquidário mantido no horto da MRN nas imediações da área explorada. Estudos comprovam que a habilidade das orquídeas e bromélias de reter nutrientes da chuva, neblina e partículas em suspensão, além dos seus substratos, são responsáveis pela capacidade das florestas tropicais de sustentar um grande número de animais.
No canteiro de obras da Usina de Belo Monte - que será a maior hidrelétrica do país -, na região do Alto Xingu, os trabalhos apenas começaram. Mas a empresa já deu início à transferência de animais silvestres para outras áreas. Entre eles estão a arara-azul, espécie em extinção. As pesquisas de reconhecimento do território a ser explorado revelaram a existência de 29 cavidades entre abrigos, grutas e cavernas que podem ser estudados no futuro próximo.

Mas as pesquisas realizadas pelas empresas não se limitam à fauna e à flora. Entre as condições para que realizem os empreendimentos, elas precisam garantir que todo o material arqueológico da região seja retirado das áreas afetadas e mantido em local seguro para estudos posteriores.

Assim, descobertas arqueológicas valiosas também rondam os grandes empreendimentos instalados na Amazônia. Nos três anos de pesquisas na região do Alto Madeira, as equipes de arqueólogos encontraram nada menos que meio milhão de peças em vários sítios espalhados entre os canteiros de obras e a área onde ficará o reservatório. Entre elas, há vasos de cerâmicas, machados e artefatos de pedra. Ainda não foram identificadas ossadas, tendo em vista que a excessiva umidade do local, onde os microorganismos prejudicam a preservação. Por esta razão, ainda não se sabe se parte dos vasos encontrados é de urnas funerárias, o que não está descartado.


Pesquisadores correm contra tempo e obras

Vivian Oswald

Escavações no sítio Garbin, na margem esquerda da Usina de Santo Antônio, identificaram formação de terra preta indígena em dois locais. No primeiro, registrou-se uma camada que seria de 4,5 mil anos atrás. Em outro, na Ilha de Santo Antônio, a terra preta foi encontrada em camadas mais profundas, com cerca de 7,7 mil anos. Este pode ser o registro mais antigo das Américas para a prática da agricultura, contribuindo ainda para entender o quebra-cabeças da ocupação da Amazônia em tempos pré-históricos.

As pesquisas também indicam que esta região, diferentemente do que se imaginava a partir dos dados disponíveis até agora, teria tido ocupação contínua ao longo destes milhares de anos e que esta ocupação teria sido mais sedentária do que se pensava inicialmente.

- Pode ser que o mesmo tenha ocorrido em outras regiões da Amazônia. Mas não dispomos destas informações. O que temos são vazios em alguns períodos - afirma Renato Kipnis, diretor da Scientia Consultoria Científica, parceira da Santo Antônio Energia no Programa Relacionado ao Patrimônio Arqueológico, componente do Projeto Básico Ambiental seguido pela concessionária em contrapartida à instalação da hidrelétrica.

Os cerca de 60 pesquisadores responsáveis pelas escavações precisam correr contra o tempo para retirar todo o material disponível destes locais, onde serão instalados a usina propriamente dita e o imenso reservatório de água.

Kipnis afirma que projeto semelhante feito por meio de pesquisas acadêmicas financiadas com recursos públicos levaria décadas para acumular a mesma quantidade de informações. A velocidade e a capacidade de se levantarem dados são as principais vantagens deste tipo de trabalho, diz o professor. Ele destaca que uma pesquisa acadêmica comum não tem recursos para deslocar 60 pessoas para o campo. Mas ele reconhece também existem desvantagens:

- Há prós e contras. O contra é um pouco a velocidade. Às vezes, o pesquisador vai ao lugar, reformula suas questões, e volta com calma. Lá, não. Onde haverá o reservatório e onde são feitas as obras não vai dar para voltar. Mas o esforço conjunto resolve parte do problema.

Além dos projetos obrigatórios, há empresas que têm seus próprios programas de Sustentabilidade e Conservação da Biodiversidade. A Vale acaba de encontrar um novo ninho de gavião-real ou harpia (Harpia harpyja), com um filhote de aproximadamente três meses, em Dom Eliseu, no Pará, em uma das fazendas onde desenvolve o programa de reflorestamento Vale Florestar.

Outros dois ninhos já haviam sido encontrados pelas equipes da empresa. No final de 2007, foi descoberto o primeiro ninho de gavião-real na Floresta Nacional (Flona) de Carajás, no sudeste do Pará, onde a Vale opera a maior mina de ferro a céu aberto do mundo. Localizado em uma castanheira no Projeto Águas Claras, o ninho tornou-se ativo em 2008, o que permitiu dar início, pela primeira vez no estado, à utilização de satélites brasileiros para monitorar uma espécie silvestre.

O segundo ninho foi encontrado na reserva da Vale em Linhares, no Espírito Santo. A harpia é considerada ameaçada de extinção em várias regiões do Brasil, especialmente nos estados do Sul e Sudeste do país. A ave é classificada como criticamente em perigo no Espírito Santo e, segundo a Vale, atualmente não são conhecidos registros de harpias em outras regiões do estado.

Em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), a Vale acompanha os espécimes, realiza estudos da dieta, faz análises de variabilidade genética e conduz atividades de Educação Ambiental e valorização da Fauna silvestre com as comunidades locais.

A empresa também descobriu uma nova espécie de cipó, o Machaerium jobimianum, ou Bico Branco, reconhecida oficialmente pela comunidade científica, na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES). E outras 100 espécies botânicas foram descobertas na reserva de Linhares.


Destaques das novas pesquisas

* A equipe de arqueólogos que trabalha no Alto Madeira já encontrou cerca de meio milhão de peças de datas diferentes que mostram como viveram as comunidades nesta região, ainda pouco explorada pelo meio acadêmico.

* Foi encontrado material arqueológico ainda na beira do rio e nas ilhas formadas próximas às cachoeiras, mostrando concentração contínua de habitantes ao longo do tempo.

* Escavações no sítio Garbin (margem esquerda da Usina de Santo Antônio) identificaram formação de terra preta indígena em dois sítios. No primeiro, registrou-se uma camada que seria de 4,5 mil anos atrás. Em outro sítio (Ilha de Santo Antônio), a terra preta foi encontrada em camadas mais profundas, com cerca de 7,7 mil anos. Este pode ser o registro mais antigo das Américas de prática de agricultura, contribuindo ainda para entender o quebra-cabeças da ocupação da Amazônia em tempos pré-históricos.

* Descobriram-se nas áreas do canteiro de obras e reservatório da Usina de Santo Antônio mais de 150 fósseis de animais que viveram há 46 mil anos na região, o que evidencia que ela era habitada por uma megafauna (preguiças gigantes, mastodontes e tatus gigantes). As descobertas indicam que a vegetação também era muito diferente da atual.

* Os pesquisadores já identificaram 807 espécies de peixes, algumas delas raras entre as coleções ictiológicas do mundo e, pelo menos, 40 espécies novas para a ciência no Alto Madeira.
* 489 espécies de algas foram encontradas de junho de 2009 a janeiro de 2011 no Alto Madeira. Trata-se de aproximadamente 12% do número estimado de espécies de micro-organismos com capacidade fotossintética que vivem em águas continentais em todo o mundo.

* Pelo menos cinco novas espécies de orquídeas e bromélias foram descobertas e já estão em processo de descrição em Oriximiná, no Pará, pela STCP Engenharia de Projetos, com recursos da Mineração Rio do Norte S/A, responsável pela exploração de bauxita na região. O banco de material genético iniciado em 2009 é mantido na Universidade de Viçosa.

* Na região onde será instalada a Usina de Belo Monte, pesquisadores identificaram 29 cavidades entre cavernas, grutas e abrigos que poderão ser estudados.

* A Vale acaba de encontrar um novo ninho das ameaçadas harpias em Dom Eliseu (PA). Outros dois ninhos já haviam sido encontrados pelas equipes da empresa em Linhares (ES) e Floresta dos Carajás (PA) e vêm sendo monitorados desde então. Uma equipe da empresa também descobriu uma nova espécie de orquídea, Machaerium jobimianum, ou bico-branco, reconhecida oficialmente pela comunidade científica, na Reserva Natural Vale, em Linhares (ES)

O Globo, 26/07/2011, Planeta Terra, p. 18-23
Energia:UHE Amazônia

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