Como é um garimpo ilegal em reserva na Amazônia

Época - http://epoca.globo.com/ - 30/08/2017
Mesmo quando a Renca proibia a mineração em área no Pará e Amapá, a atividade garimpeira não parava. Nos garimpos dentro da Floresta Estadual do Paru, por exemplo, nenhum agente governamental coloca o pé desde 2008



A atividade de mineração na Floresta Amazônica ficou no centro do debate público nos últimos dias. Primeiro, o governo do presidente Michel Temer editou um decreto extinguindo a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), liberando uma área entre Pará e Amapá para a mineração. Após repercussão negativa, Temer voltou atrás e editou novo decreto, mantendo a extinção da Renca, mas, desta vez, detalhando que isso não significa uma permissão para minerar em área protegida, como unidades de conservação e terras indígenas.

Apesar de existir no papel, a Renca nunca conseguiu impedir o garimpo na região, incluindo em áreas de importância biológica. A ausência do Estado na Amazônia e a péssima implementação das unidades de conservação fizeram florescer a mineração ilegal de ouro. Essa mineração de pequena escala é a mais perigosa. Coloca em risco a saúde dos garimpeiros e não há nenhuma preocupação com a proteção ambiental, resultando em desmatamento ilegal e contaminação de rios e peixes por mercúrio.

A pesquisadora Jakeline Pereira, do Imazon, visitou alguns desses garimpos ilegais em áreas protegidas na região da Renca. Jakeline foi uma das técnicas responsáveis pelo plano de manejo de duas áreas protegidas no local, a Floresta Estadual do Paru e a Reserva Biológica Maicuru. Durante a elaboração do plano, ela e agentes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará entrevistaram garimpeiros e foram aos locais de extração de ouro, em 2008. "É uma área de difícil acesso e perigo iminente", diz. Segundo ela, desde então nenhum funcionário do governo entrou novamente nas áreas. Ou seja, em quase uma década a região não viu nenhum tipo de presença do Estado. As fotos que ilustram esta reportagem são do arquivo dessa época.

Desde então, segundo a pesquisadora, o garimpo ilegal se intensificou. Na época da realização do plano de manejo, em 2008, eles constataram que cerca de 1.000 garimpeiros trabalhavam ilegalmente nas duas áreas protegidas. Hoje, com base em estimativas feitas pela quantidade de voos que saem do município de Laranjal do Jari, no Amapá, para os garimpos, acredita-se que 2 mil garimpeiros atuam na região.

A atividade de mineração começa com um "dono". Não é, evidentemente, alguém que tenha a posse da área, já que se trata de uma atividade ilegal. Esse dono geralmente é uma pessoa com maior recurso financeiro que tem a posse do maquinário necessário para abrir o garimpo. Ele raramente se desloca ao local de mineração. Para isso, contrata um "gerente", que é quem organiza a atividade no local, a moradia dos trabalhadores e comércio.

Os garimpeiros formam a população mais vulnerável. São em sua maioria homens que trabalhavam na agricultura ou construção civil e foram atraídos pela riqueza do ouro. A maior parte tem pouca educação formal. Na pesquisa feita para o plano de manejo, 36% eram analfabetos e outros 40% tinham o ensino fundamental incompleto. Eles trabalham em média 60 horas por semana e recebem entre 20% e 30% do valor da produção do ouro. Os frutos do trabalho ficam, em grande parte, no próprio garimpo. Tudo é cobrado: alimento, roupas, bebidas. A moeda que circula é o ouro. Até um refrigerante se compra com ouro. E os produtos são caríssimos, já que são trazidos para o garimpo por avião ou barco.

A maior preocupação deles é com a saúde, especialmente com a malária - relatos de infestação da doença são comuns. Outro risco muito alto é a exposição ao mercúrio, substância usada na extração do ouro. A violência também é um problema. Em 2014, por exemplo, o gestor de uma das unidades de conservação autuou garimpeiros que estavam trafegando pelo Rio Jari. Ele foi ameaçado de morte e acabou solicitando uma transferência.

Segundo Jakeline, o garimpo ilegal só prospera porque o Estado não se preocupa em implementar políticas públicas na região. "As áreas protegidas precisam ser implementadas, precisam de políticas públicas. Mas falta gente, faltam recursos. Na Floresta Estadual do Paru, por exemplo, são duas pessoas para administrar 7 milhões de hectares. É um descaso com as áreas protegidas, tanto dos governos do Pará e Amapá quanto do governo federal", diz.

O novo decreto assinado pelo governo para extinguir a Renca procurou deixar claro que esse tipo de garimpo, pequeno, ilegal e danoso para a saúde e o meio ambiente, continua proibido. A promessa do governo é permitir uma mineração mais moderna, industrial e de escala na região, com empresas que sejam responsáveis por possíveis danos ambientais e possam pôr em prática políticas de compensação ambiental. O resultado, entretanto, pode ser o contrário, segundo Marco Lentine, da WWF-Brasil. "O grande problema é abrir a área para mineração em uma região frágil ambientalmente, sem fazer o ordenamento do território, sem políticas públicas e sem salvaguardas ambientais", diz.

Segundo ele, o recuo de Temer e a mudança no texto têm pontos positivos, como ressaltar que áreas protegidas continuam fechadas para a mineração. Porém, ele diz que, no contexto geral, com o decreto se somando a outras medidas delicadas do ponto de vista ambiental, como a redução da Floresta Nacional do Jamanxim, mudanças nas regras de licenciamento ambiental, o governo passa uma mensagem negativa. "A mensagem política é que a Amazônia está aberta à exploração." O temor é de que essa mensagem mostre aos donos dos garimpos ilegais que a atividade deles tem respaldo governamental, iniciando uma verdadeira corrida para o ouro no coração da floresta.



http://epoca.globo.com/ciencia-e-meio-ambiente/blog-do-planeta/noticia/2017/08/como-e-um-garimpo-ilegal-em-reserva-na-amazonia.html
Amazônia:Geral

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Maicuru
  • UC Paru
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.