Para salvar o que resta do cerrado

CB, Cidades, p. 17 - 24/11/2008
Para salvar o que resta do cerrado
Nova superintendente do Ibama diz que pressão imobiliária é o maior problema ambiental do DF

Samanta Sallum

Ponto a ponto - Maria Silvia Rossi

É uma engenheira agrônoma, de 40 anos, mãe de duas filhas, que acaba de assumir a missão de proteger o Distrito Federal das agressões ao meio ambiente. Ser superintendente regional do Ibama aqui tem um diferencial de outros estados. A responsabilidade e o poder ainda são maiores. Afinal, 60% do DF estão dentro da Apa do Planalto Central, uma área de proteção criada em 2002 pela Presidência da República. A medida deu ao governo federal a competência para licenciar obras e empreendimentos imobiliários. Foi uma maneira de frear o crescimento desordenado na capital federal. Hoje, o governo local depende do Ibama-DF para tocar seus principais projetos.

Maria Silvia Rossi afirma que é necessário mudar a forma de trabalho com o Governo do Distrito Federal. "Não dá para o Ibama ser um balcão de negócios do GDF. É preciso, com diálogo e bom senso, construirmos uma agenda de prioridades, no lugar de tantas demandas pulverizadas", destacou em entrevista exclusiva ao Correio, a primeira desde que tomou posse.

Ela alerta que o DF já sofre as consequências da degradação e aponta a expansão habitacional como a maior agressora ao meio ambiente. "A situação é grave, mas ainda é possível reverter com vontade política." Por isso, critica o projeto do Setor Catetinho e a extinção de áreas rurais no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT).

Maria Silvia sofreu resistência do PT-DF porque não era uma militante partidária, tinha um perfil mais técnico. Era apontada como alguém que não teria conhecimento da cidade, já que morava em São Paulo, de onde veio para assumir o cargo. "Já vivi em Brasília. Sou formada pela UnB", conta. Durante a entrevista, mostrou que já sabe bem onde está pisando, ao discorrer com segurança sobre as polêmicas que cercam o cargo.

AÇÃO DO IBAMA
Nosso trabalho parte de três pilares: conservar a biodiversidade, promover a gestão sustentável dos recursos naturais e melhorar a qualidade de vida das pessoas. A ação fiscalizatória do Ibama não tem de ser sempre algo punitivo. É preciso que seja preventiva e educativa também. Estamos reestruturando o Ibama para apoiar nosso núcleo de educação ambiental, que pode ter uma força imensa na sociedade. Vamos organizar melhor as equipes, que já são muito boas tecnicamente. Tenho experiência em gestão e pretendo usá-la bem aqui.

BIOMA CERRADO
Não dá para tratar o bioma cerrado como museu, sabemos que existe a dinâmica social de empreendimentos na região. Mas lamentamos a situação crítica em que está. O bioma cerrado é o segundo maior do país, conecta vários outros biomas, tem a savana mais rica do mundo em fauna e flora. Temos aqui nascentes de muitos rios, ou seja, é ponto de grande importância hidrológica. E apenas 20% do cerrado ficaram intocados, restou de nativo. Isso é resultado de um processo de ocupação nos últimos anos que não respeitou o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) de 1997. O que vemos é um descompasso entre o que foi previsto e o executado, o que trouxe um impacto ambiental muito sério.

AS AMEAÇAS AMBIENTAIS
A maior agressão sobre o cerrado é a ação humana no setor habitacional. No DF, diferente de outras cidades do Centro-Oeste, é o avanço urbano, o crescimento desordenado por conta da demanda por habitação. Estamos num momento de alerta, a situação é grave. Toda hora chega aqui um pedido de licença para um novo empreendimento habitacional. Para onde vai todo este esgoto? Para o mesmo lugar. É uma bomba-relógio, é questão de tempo para o colapso. A Bacia do Descoberto não é inesgotável para receber toda essa pressão de esgoto. Há a questão das reservas de água com qualidade. Já estamos vivendo o impacto de tantas agressões. Há racionamento em alguns pontos, como Pipiripau e Formosa. Falta água na área urbana e para as atividades agropecuárias. Ainda há tempo para se reverter, mas é preciso vontade política.

TRANSFERÊNCIA DA APA DO PLANALTO CENTRAL PARA O GDF
É um tema que está muito vinculado à discussão do PDOT. E xiste um grupo formado em nível ministerial avaliando isso. A discussão também já existe no Congresso com dois projetos de lei e, se eles aprovarem, teremos de acatar. Mas, como superintendente regional do Ibama, digo que é muito temeroso fazer a transferência. O argumento de que não temos condições técnicas para gerir a APA não tem respaldo. Se nós não temos, quem tem? O exemplo do governo local não é melhor, pelo contrário, é deficiente. A APA do São Bartolomeu, por exemplo, que é do GDF, está degradada. Não acho solução boa transferir a parte de licenciamento para o governo local. Geraria conflito de interesses, ainda mais considerando o histórico de ocupação desordenada de Brasília. A discussão está muito política e pouco técnica.

PDOT
Aguardamos a versão do Pdot que está na Câmara Legislativa. E estamos num esforço para racionalizar a discussão, que está num ritmo mais político do que técnico. O que é votado na Câmara Legislativa às vezes segue uma dinâmica muita rápida, a da lógica deles, e às vezes pode não estar acompanhada da devida atenção aos pareceres técnicos. Fazemos um apelo para que não se vote o Pdot na correria, sem a devida discussão. Seria imprudente. Desde o Pdot de 1997, há um direcionamento para se extinguir as áreas rurais. Não se pode esquecer a importância ambiental delas. Não servem apenas para produção agrícola ou reserva imobiliária. Elas servem como áreas tampão, como zonas intermediárias que reduzem os impactos da mancha urbana sobre as reservas ecológicas. Elas ajudam a preservar o meio ambiente. Não dá simplesmente para acabar com elas. Isso terá efeito sobre o solo e a água.

SETOR HABITACIONAL CATETINHO
Está previsto para uma região que é Área de Proteção de Mananciais (APM). Com um pouco de bom senso, temos de debater esse projeto ouvindo as posições técnicas. O Ibama não é contra as pessoas, a oferta de habitação. Nossa preocupação é com o custo ambiental do projeto e como vai se refletir depois na qualidade de vida da população do DF. Vemos com muita preocupação a instalação de um novo bairro em cima de uma área de recarga de aquíferos, um ponto fundamental de recursos hídricos. A situação já é crítica nesse setor.

RELAÇÃO COM O GDF
Acho que não será difícil estabelecer uma rotina de diálogo e respeito entre o governo local e o órgão federal. O que não dá é para o Ibama funcionar como balcão de negócios do GDF. Isso aqui é um órgão federal. Não dá para chegar aqui com um monte de demanda pulverizada, Caesb, CEB, Secretaria de Obras, com coisas pontuais, de forma isolada, sem articulação com o empreendimento como um todo. Para evitar custos de retrabalho. Temos aqui na capital uma situação muito peculiar, em que é preciso muito diálogo, muito consenso, para construir uma agenda de prioridades. É uma meta desta gestão consolidar isso.

LICENÇAS PARA OBRAS
Problema de engarrafamentos. Quando se pensa na solução, se pensa numa obra viária. O governo e a comunidade, na ânsia de resolver o problema, apresentam um pedido pontual de licenciamento para uma obra. Não pode ser assim. É preciso pensar o empreendimento como um todo, não posso licenciar apenas o sistema viário. Nossa equipe técnica, nos últimos anos, vem numa luta valorosa para mudar essa concepção. Não podemos licenciar um parcelamento habitacional sem atender os requisitos de infra-estrutura que vão proteger o meio ambiente. Precisamos acabar com as demandas pingadas. Ter que refazer uma obra para atender as exigências ambientais representa um custo para sociedade. A lógica tem que ser da integração.

VICENTE PIRES
Um exemplo da ocupação desordenada, da falta de ação preventiva. Ainda há o problema fundiário que a Terracap e a Gerência de Patrimônio da União estão tentando resolver. Antes disso, fica difícil para o Ibama emitir licenças. Não somos nós que estamos freando o processo de regularização. Estamos à espera da resolução de pendências. A região é uma de nossas prioridades porque, afinal, ali moram 60 mil pessoas. O Relatório de Impacto de Ambiental está em análise para ser aprovado ou modificado e depois deve seguir para audiência pública. Vai depender da conclusão dos estudos para definir quem vai ter de ser removido ou não por causa da ocupação de Áreas de Proteção Permanente (APPs). Falta conhecimento sobre os critérios que devem ser atendidos para a liberação de licenças ambientais. É preciso cumprir uma série de etapas. Não é o Ibama que emperra. Muitas vezes, as pendência têm origem em outros órgãos.

CB, 24/11/2008, Cidades, p. 17
Cerrado

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