Valor Econômico, Brasil, p. A6 - 07/04/2025
Para especialistas, perda de área rural para infrator é avanço
Flávio Dino, do STF, analisará pedidos que defendem a perda de propriedade rural para infratores ambientais responsáveis por desmatamento e incêndios ilegais
Davi Vittorazzi
07/04/2025
Às vésperas do período de seca e aumento das queimadas ilegais no Brasil, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), analisará pedidos que defendem a perda de propriedade rural para infratores ambientais responsáveis por desmatamento e incêndios ilegais.
Especialistas ouvidos pelo Valor veem a medida pela Suprema Corte como uma forma de dar uma resposta mais forte aos crimes ambientais, para os quais, segundo eles, as punições da Justiça comum costumam ser mais brandas.
Para isso, o ministro deve usar o entendimento de que o artigo 243 da Constituição Federal seja aplicado também para enquadrar o desmatamento e os incêndios ilegais.
Atualmente, esse dispositivo da lei determina que as propriedades rurais e urbanas que cultivarem plantas ilegais - usadas para tráfico de drogas, por exemplo - ou explorarem trabalho escravo serão expropriadas somente para reforma agrária e programas de habitação popular.
A proposta vem sendo discutida em audiências de conciliação no âmbito de três ações no Supremo sobre prevenção e combate de incêndios na Amazônia e no Pantanal. O mais recente pedido protocolado, nesse mesmo sentido, foi feito pela Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso em 13 de março deste ano. Nas reuniões, Dino já se mostrou favorável à aplicação da interpretação.
De janeiro a dezembro de 2024, mais de 30,8 milhões de hectares foram queimados no Brasil, área equivalente ao território da Itália, segundo dados da plataforma Monitor do Fogo, do MapBiomas.
Identificação de propriedades depende de governos estaduais"
- Luiza C. Frischeisen
A subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Ambiental do Ministério Público Federal (MPF), Luiza Cristina Frischeisen, considera que o poder público atualmente encontra "dificuldades operacionais" para obter provas para identificar o autor de crimes ambientais. "O incêndio quando começa na floresta Amazônica, por exemplo, é longe da cidade, e normalmente vai se identificar o incêndio por satélite", explica.
Frischeisen detalha que essa identificação das propriedades rurais depende da atuação dos governos estaduais. Conforme ela, em alguns casos até existe a aplicação de ações civis, como ressarcimento e regeneração das áreas. No entanto, a identificação dos infratores não é tão comum.
Ela lembra que no ano passado a Procuradoria-Geral da República (PGR) conseguiu identificar e denunciar, por exemplo, os responsáveis pelos incêndios ocorridos no Parque Nacional de Brasília (Parna). Ainda assim, porém, os crimes ambientais geralmente envolvem penas leves e que, mesmo quando a autoria é confirmada, a prisão dos culpados é incomum. Devido à demora dos processos, há o risco de o crime prescrever antes de ser efetivamente punido.
"O Supremo teria que fazer uma leitura por analogia para se ter essa posição", diz Frischeisen, que afirma que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, já sinalizou ser favorável à interpretação do artigo 243 da Constituição para os casos de incêndios e desmatamento.
Fernando Prioste, advogado especialista em tema ambiental do Instituto Socioambiental (ISA), além da aplicação do artigo em questão, reforça que todas as propriedades devem respeitar a premissa constitucional de atender a uma função social.
Expropriação e fiscalização do Incra são medidas muito eficazes"
- Fernando Prioste
Ele também destaca a importância de uma fiscalização mais robusta por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), garantindo que as terras sejam destinadas de maneira adequada e em conformidade com a legislação.
"Essas medidas que dizem respeito à expropriação das áreas onde há crime ambiental são muito importantes e se conectam com a proposta de reforma agrária [de terras com função social] prevista na própria Constituição", afirma.
O especialista explica que, no caso da expropriação, onde há cultivo de psicotrópicos ou onde há trabalho escravo, a pessoa perde a posse de sua propriedade sem direito a indenização. Já a situação de desapropriar, que pode ser feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), é diferente, já que prevê um pagamento de título da dívida pública no prazo de até 20 anos.
"Tanto a medida da expropriação, como a fiscalização do Incra, do cumprimento da função social ambiental da área, são medidas, na minha forma de ver, muito eficazes", acrescenta Prioste, ao defender a medida para combater os crimes ambientais.
"O direito penal tem um limite muito visível de coibir os crimes, mas essas possibilidades de expropriação e desapropriação, eu acho que são muito mais eficazes do que o próprio processo", argumenta.
Valor Econômico, 07/04/2025, Brasil, p. A6
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/04/07/para-especialistas-perda-de-area-rural-para-infrator-e-avanco.ghtml
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