Novo selo atesta produtos da Amazônia

Valor Econômico, Empresa, p. B7 - 18/03/2016
Novo selo atesta produtos da Amazônia

Daniela Chiaretti

Os seringueiros levantam de madrugada na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrisio, no Pará, para extrair o látex, matéria-prima das borrachas da empresa gaúcha Mercur. O mel dos índios do Xingu vai para as prateleiras do Pão de Açúcar enquanto extrativistas enviam castanhas para os pães da Wickbold. Em comum, estes povos da floresta participam de um projeto inédito que busca valorizar seus produtos e culturas, e, principalmente, um modo de vida que preserva a Amazônia.
Trata-se do selo Origens Brasil, que será lançado terça-feira no restaurante Dalva e Dito, do chef Alex Atalla, um dos apoiadores do projeto. Foi desenvolvido durante três anos por pesquisadores do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e do Instituto Socioambiental (ISA), com várias instituições locais.
O selo faz parte de um projeto maior, que engloba uma plataforma digital e um novo conceito, dos Territórios de Diversidade Socioambiental. "São territórios compostos por áreas protegidas, onde estão terras indígenas, quilombolas e diferentes unidades de conservação. Os produtos do Origens Brasil vêm destes territórios", diz André Villa-Bôas, secretário-executivo do ISA. "É um conceito inclusivo e novo, que não faz parte da terminologia oficial", continua. Esta estratégia de sustentabilidade da floresta busca conferir a produtos de comunidades tradicionais amazônicas uma espécie de "terroir", assim como têm os vinhos franceses ou os queijos portugueses, diz Patrícia Cota Gomes, coordenadora de projetos e mercados florestais do Imaflora.
"A floresta só pode ser conservada se tiver valor econômico. Não é colocar uma redoma e impedir o uso. É promover práticas de uso sustentável", explica Patrícia.
A ideia foi desenvolver um sistema de garantia territorial que valorize também a contribuição indígena e de comunidades tradicionais à blindagem do desmatamento e preservação da biodiversidade. "A sociedade não atribui a eles este cuidado com a floresta. Queremos levar adiante estas histórias", diz Patrícia. "É romper uma barreira da ignorância", resume Villas-Bôas.
Os primeiros produtos vêm do Território do Xingu, com 26 milhões de áreas protegidas e que vai do Mato Grosso ao Pará, atravessando a Amazônia e o Cerrado. Lá vivem extrativistas e indígenas que falam 27 idiomas. "Hoje há ali 17 mil pessoas que poderiam se beneficiar da iniciativa", estima Patrícia, do Imaflora.
A logomarca do Origens Brasil foi desenvolvida pela Loducca, que também apoiou a ideia. É em forma de árvore e se funde com um código digital (o "quick sesponse code") que leva o consumidor, com apenas um celular, à origem da matéria-prima. O selo também traz informações sobre o extrativista, sua foto, o lugar onde vive, e dados de toda a cadeia de produção. "É um negócio social", afirma a pesquisadora do Imaflora.
A Mercur, empresa de Santa Cruz do Sul com 92 anos de trajetória, compra borracha de três reservas extrativistas no Pará há alguns anos. "Quando começamos, em 1924, a borracha vinha do Acre, do Amazonas e do Pará", conta Jorge Hoelzel Neto, diretor presidente da Mercur. Depois, os seringais plantados no Sudeste significaram um fornecimento mais barato e de logística mais fácil. "Agora queremos resgatar as compras nesta região, onde os seringueiros foram meio esquecidos. Eles fazem um trabalho cuidadoso, além de manterem a floresta em pé."
A empresa compra um volume pequeno dos extrativistas da Terra do Meio, perto de 5 mil quilos anuais, o que significa de 1% a 2% de seu consumo de borracha. A matéria-prima é usada nas bolsas de água quente e em borrachas de apagar. A Mercur paga até três vezes mais aos extrativistas. "Pagamos o valor construído com eles. Tem aí embutida toda a logística, e a vida deles, que é diferente", diz Hoelzel Neto.
A plataforma poderá ser usada na conexão entre o seringueiro e o funcionário da fábrica. "Será uma conversa entre o povo da Amazônia com o do Sul", imagina o empresário.
"Rapaz, antes o nosso trabalho era sem garantia nenhuma", diz o caiapó Bepnhoti Atydjane, conhecido como Amauri, da Associação Floresta Protegida, que os representa. "Quem quer comprar nossa castanha e o cumaru pensa 'será que este produto é bom?´, continua.
"A gente nunca imaginou que seria feito um selo para reconhecer o trabalho dos caiapós", anima-se Atydjane. "Este selo vai levar o nome do caiapó para onde for, vai muito longe. Isso é bom para nós."
"A história por trás do produto é o mais interessante", diz Laura Pires, gerente de sustentabilidade corporativa do Grupo Pão de Açúcar. A rede distribui o mel dos índios do Xingu no projeto Caras do Brasil, que tem 14 anos e quase 100 artigos feitos por comunidades espalhadas no Brasil. "O mel é um produto icônico do nosso programa, muito apreciado pelo nosso consumidor."
Os fornecedores vêm de 14 aldeias com apiário. São duas floradas por ano e a produção anual é em torno de 60 caixas. "Respeitamos o preço que os índios nos dizem", conta Laura.
"O selo é muito interessante porque mostra ao meu cliente toda a cadeia de produção", diz André Tabanez, gerente de projeto da Firmenich, empresa de fragrâncias que compra óleo de copaíba dos extrativistas da reserva do Riozinho do Anfrisio, no Pará. Tabanez trabalha também com caiapós desde 2012, com cumaru.
"O selo é uma chancela do nosso trabalho", continua. "Ajuda a resolver um dos gargalos principais, que hoje as comunidades da Amazônia têm, que é o acesso a empresas compradoras dos produtos."
O selo Origens Brasil começa com mel, castanha, borracha e óleo de copaíba do Território do Xingu. É só o começo. Será expandido para outros produtos, como artesanato e pimenta. E a outros territórios na Amazônia e em outros biomas.

Valor Econômico, 18/03/2016, Empresa, p. B7

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