Um bairro sustentável

O Globo, Sociedade, p. 29 - 05/06/2014
Um bairro sustentável
Projeto em Maricá quer preservar 7 km² quadrados de mata e criar bases de ocupação verde

Uma área de proteção ambiental de quase sete quilômetros quadrados deve ter sua preservação garantida em Maricá, nas imediações da Região dos Lagos fluminense. Pelo menos é o que promete o grupo por trás de um novo "bairro" com escolas, hotéis, hospital, centro de compras e condomínios, que pretende estabelecer as bases de um modelo de ocupação sustentável. Localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, criada em 1984, a Fazenda São Bento da Lagoa deverá ocupar um espaço que equivale a duas vezes a extensão do bairro de Copacabana, no Rio (840 hectares), e terá 83% da sua cobertura verde intocados. Os investimentos previstos são da ordem de R$ 3 bilhões, e as obras deverão ter início assim que a licença ambiental do estado for concedida.
O projeto já havia sido apresentado em 2007, logo depois de a área ser adquirida pelo grupo luso-espanhol Iniciativas de Desenvolvimento Imobiliário do Brasil (IDB), mas previa uma reserva proteção bem menor: 38% de vegetação nativa mantidos. Na época, houve protestos de ambientalistas e de moradores da região. Revisto, o projeto recomeçou do zero e, agora, prevê que apenas 17% da área total serão destinados a intervenções urbanas - há planos de construção ainda de estradas e campos de esportes, e apenas 6,4% do total terão efetivamente edifícios. Apesar de ser uma reserva ambiental, o lugar é uma propriedade privada desde a época do Brasil Colônia.
VISITANTES TERÃO ACESSO À RESERVA
Se, no antigo rascunho, a Fazenda só poderia ser acessada por moradores e por turistas que se hospedassem no resort, desta vez toda a região da restinga será aberta. Moradores e visitantes de Maricá poderão explorar a fauna e a flora da Mata Atlântica, num trecho onde existem cerca de 50 espécies autóctones.
De acordo com o espanhol David Galipienzo, diretor-executivo da IDB, o novo plano da Fazenda foi desenhado para que todos possam explorar a biodiversidade de Maricá.
- O projeto tem caráter aberto. Vai funcionar, sim, como um bairro de Maricá. E obviamente terá hotéis e condomínios, mas qualquer pessoa poderá desfrutar da reserva ambiental - afirma o empresário, que é formado em Ciências Ambientais na Espanha.
Em 2007, a administração estadual delineou o Plano de Manejo do local, no qual cerca de três milhões de metros quadrados foram outorgados para edificação. No entanto, a IDB pretende aproveitar apenas metade do total. O grupo entrou ainda com um pedido de certificação de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), na qual o proprietário garante a preservação perpétua da vegetação local em troca de isenções como Imposto de Propriedade Rural e até IPTU. Se for aceita pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a RPPN da restinga de Maricá será a segunda maior das cerca de 70 que o Estado do Rio já possui.
- Pelo regime de RPPN, se o proprietário quiser fechar a porteira, sem uso público, ele pode. Se ele quiser abrir para lazer, pesquisa científica, ou educação ambiental, também pode. De qualquer forma, ganha o cidadão fluminense, que terá parte da biodiversidade do estado preservada de modo eficiente - afirmou Daniela Albuquerque, coordenadora de Mecanismos de Proteção da Biodiversidade da Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Inea.
Ela não quis antecipar se o Estado do Rio dará ou não a licença ambiental para o empreendimento. Enquanto isso, a prefeitura de Maricá está na torcida. De acordo com o secretário de Meio Ambiente da cidade, Tiago de Paula, se o IDB realmente conseguir tirar do papel todos os seus planos, quem ganhará será o município.
- Embora seja a unidade de conservação mais antiga de Maricá, a restinga nunca teve uma gestão efetiva, com gestores e guardas ambientais, por exemplo. Há ocupação irregular de quiosques, despejo de lixo, como carcaças de carros, extração mineral e de plantas e até bois. Havia um uso desordenado daquela área. Com o empreendimento, a fiscalização vai ser bem maior - disse o secretário.
PESCADORES PERMANECEM CÉTICOS
Ainda quando mantinha o plano anterior, a IDB enfrentava protestos de pescadores da comunidade de Zacarias, que ocupa o lado direito da lagoa de Maricá há mais de 300 anos. Se o plano antigo previa o remanejamento de cerca de 350 famílias do local, o novo empreendimento assegura manter todos em suas residências.
Mesmo assim, os habitantes desconfiam das promessas da empresa. De acordo com Vilson Francisco Correa, de 52 anos, os pescadores não foram convidados a participar das discussões que resultaram no Plano de Manejo da APA. Vilson alega que, no lugar do grupo, a IDB chamou outros moradores de Maricá para fazer o papel de representantes da comunidade em audiências públicas. O pescador reclamou ainda das investidas de urbanização que já vêm ocorrendo na região.
- Todos nós somos contra o empreendimento. Todo dia em que saio para pescar, aparece um condomínio novo. Nossa lagoa está morrendo. Tem pescador aqui com mais de 100 anos que fica assustado com isso tudo. Aí vêm os gringos com projeto de trazer mais gente para cá. Eu já até perguntei a um deles se eu vou aprender a jogar golfe. Eles tinham que fazer isso na Espanha, e não aqui - ironizou o pescador.
A comunidade de Zacarias é defendida pelo Movimento Pró-Restinga, formado principalmente por moradores e ex-moradores de Maricá. Desirée Freire é uma das que participam da organização. Segundo ela, os pescadores já eram conhecidos como moradores do local desde 1796, de acordo com um mapa no Arquivo Histórico Nacional. Desirée calcula que o projeto da Fazenda possa trazer para a restinga cerca de 40 mil pessoas, entre moradores de condomínios e hóspedes dos hotéis. Elas viriam em pelo menos 15 mil carros, que circulariam diariamente na região:
- Sou contra qualquer intervenção urbana na restinga e contra o zoneamento feito pela Secretaria do Meio Ambiente para liberar grande parte da APA para construção. Esta área tem atributos especiais protegidos por lei e possui espécies próprias que serão ameaçadas com essa enxurrada de gente. Pesquisas científicas seriam comprometidas.
O Movimento Pró-Restinga já coletou 1.600 assinaturas para que a região seja vinculada ao Parque Estadual da Serra da Tiririca, que fica próximo do local. Em outra frente, o grupo também reuniu mais de mil assinaturas para transformar a restinga em um parque único.

O Globo, 05/06/2014, Sociedade, p. 29

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/projeto-em-marica-quer-preservar-7-km-quadrados-de-mata-criar-bases-de-ocupacao-verde-12728921
UC:APA

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