Cheiro do campo

O Globo, Planeta Terra, p. 7-9 - 26/06/2012
Cheiro do campo
Embrapa busca nas flores do Cerrado Novos aromas para a indústria de perfumes

Juliana Câmara
juliana.camara@oglobo.com.br

A rica variedade da flora do Cerrado embeleza as paisagens dos 11 estados que ele ocupa no país e agora pode turbinar a indústria de cosméticos. Uma pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com universidades públicas, vai estudar as espécies aromáticas deste bioma, o segundo maior do Brasil, e montar um banco de dados, que terá informações sobre extratos, classificação botânica, análise química e avaliação sensorial dessas flores. O resultado poderá ser usado por empresas no futuro para a produção de fragrâncias.
O projeto é o primeiro a catalogar, em grande escala, espécies da flora do Cerrado com esta finalidade. A princípio, serão estudadas 40 flores cujo potencial aromático já é conhecido. Mas esse número pode crescer ao longo do trabalho de prospecção, previsto para durar até de 2014. Entre as espécies previstas, estão as mirtáceas, da família dos eucaliptos; as labiatas, da família da hortelã e do manjericão; e as asteraceas, da família da camomila e do girassol.
As flores são recolhidas por botânicos, que as separam em um herbário e extraem os óleos essenciais para fazer a caracterização química das substâncias aromáticas. A coleta ocorre em cinco pontos onde as flores são abundantes: o campus da Embrapa e a reserva ecológica do IBGE, no Distrito Federal; os parques estaduais de Caldas Novas e da Serra dos Pirineus, e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.


Conhecimento sobre a flora pode incentivar cultivo sustentável

O interesse das indústrias de cosméticos e alimentos por produtos naturais tem crescido devido ao aumento do mercado consumidor e também para atender a requisitos das legislações desses setores, cada vez mais restritivas em relação ao uso de produtos sintéticos. Neste sentido, o Cerrado é um dos biomas mais atraentes: sua flora é mais rica em número de espécies que a da região amazônica e também mais ameaçada.
Cerca de 30 pessoas estão envolvidas no levantamento, entre pesquisadores, técnicos e alunos de três unidades da Embrapa e também da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Juiz de Fora. O investimento total é de R$ 432 mil.
Outro objetivo do estudo é ajudar na conservação desse bioma. Dados oficiais apontam que 45% de sua vegetação já foram destruídos. Os maiores responsáveis são a expansão da fronteira agrícola e o crescimento desordenado das cidades. A ação do homem tem levado diversas espécies ao risco de extinção.
O maior conhecimento sobre as espécies, associado a ações de conscientização sobre o uso racional de recursos naturais, pode resultar em práticas sustentáveis de cultivo. Segundo Humberto Bizzo, da Embrapa Agroindústria de Alimentos e coordenador do projeto, cientes da possibilidade de gerar renda com a extração de óleos essenciais das flores, os moradores das regiões apropriadas para o cultivo podem optar por produzi-las, em vez de desmatar a vegetação e abrir espaço para plantações como as de milho e soja.
- Queremos estudar essas espécies e transformar o conhecimento em geração de renda para as pessoas que moram nas áreas de Cerrado. Com isso, preservar poderá ser mais rentável do que destruir - explica o pesquisador. - São áreas de pequena produção. O objetivo é agregar valor à biodiversidade do Cerrado.
O bioma do Cerrado é considerado ainda pouco conhecido, se considerados os números de espécies estudadas. Apesar de a pesquisa da Embrapa com as flores aromáticas pretender conhecer as aplicações para a indústria de cosméticos, ela pode revelar outras propriedades dessas plantas, como medicinais e alimentares.
- O foco é a indústria de fragrâncias, mas o estudo pode se desdobrar em produtos resultantes de outros tipos de atividade biológica dessas espécies - diz Roberto Vieira, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

O Globo, 26/06/2012, Planeta Terra, p. 7-9
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