Visitas limitadas ao paraíso

O Globo, Rio, p. 11 - 04/07/2011
Visitas limitadas ao paraíso
Projeto para a Ilha Grande se candidatar a Patrimônio Natural da Unesco prevê controle de acesso

Duilo Victor
duilo.victor@oglobo.com.br

RIO - Já que beleza não falta à Ilha Grande, no litoral Sul Fluminense, um grupo de 11 defensores do paraíso verde deu início ao projeto de conquistar para o balneário o mesmo status alcançado por outros santuários ecológicos, como Fernando de Noronha, Atol das Rocas e o Parque Nacional do Iguaçu. Para que a Ilha Grande obtenha o título de Patrimônio Natural Mundial da Unesco - órgão das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura -, uma das propostas é limitar o número de visitantes, como ocorre em Fernando de Noronha.
O grupo de trabalho da candidatura da Ilha Grande será formalizado, este mês, na Câmara de Vereadores de Angra e terá de elaborar um dossiê para a Unesco bom o suficiente para provar que o local tem natureza exuberante e um ecossistema importante para todo o planeta no aspecto científico e de conservação. Juntar todas as evidências técnicas leva tempo e ninguém se arrisca a dizer que o dossiê fica pronto este ano.
Só no Aventureiro há lotação máxima
Quem já visitou pelo menos uma das 106 praias da Ilha Grande - aproximadamente 11 vezes maior em território que a Ilha do Governador - sabe de cara que a exuberância do balneário está garantida. O passo ambicioso será melhorar ainda mais as regras de proteção ambiental. Integrantes do grupo de trabalho da candidatura acreditam, por exemplo, que o lugar terá de ganhar finalmente o seu Controle de Capacidade de Carga, hoje restrito a uma de suas praias, a do Aventureiro, onde turistas são controlados com pulseirinhas e a lotação é de 560 visitantes.
- Fernando de Noronha tem um território menor e fica mais longe do continente, mas o controle de visitantes na Ilha Grande também é importante para servir de argumento no pleito à Unesco - julga o presidente da Fundação de Turismo de Angra (TurisAngra) Daniel Santiago, integrante do grupo dos 11.
Como fez o Rio para se tornar cidade olímpica, a Ilha Grande busca apoio político. A própria escalação dos 11 integrantes da comissão de candidatura é prova dessa ambição. O ex-prefeito do Rio Israel Klabin, presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, está na comissão assim como o superintendente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Julio Avelar. E amanhã o presidente da Câmara de Angra, vereador José Antônio Gomes, vai a Brasília, onde se encontrará com o deputado federal e ex-prefeito do município Fernando Jordão (PMDB-RJ) e com o ministro da Pesca, Luiz Sérgio.
- O pleito para Patrimônio Natural da Unesco é tarefa difícil e já houve outros lugares que tentaram e não conseguiram - diz Gomes, numa referência à vizinha Paraty, que pleiteou o título da Unesco de Patrimônio da Humanidade, naquela vez na categoria Cultural, sem sucesso. - Mas levamos a produção do dossiê muito a sério para convencer a Unesco do nosso projeto. Para quem mora ou visitou Ilha Grande, ela já é Patrimônio da Humanidade.
Tratamento de esgoto é um desafio
A favor de Ilha Grande pesa o fato de 90% de seu território ser protegido por leis ambientais e ter seu arquipélago incluído na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um título da Unesco mais abrangente, que inclui 35 milhões de hectares de terra em 15 estados brasileiros. Sete locais no Brasil são Patrimônio Natural, nenhum no Estado do Rio.
Para provar que é sustentável, a Ilha Grande terá que resolver o problema da falta de tratamento de esgoto de parte dos habitantes da Praia do Abraão, considerada o centro da ilha, com cerca de cinco mil pessoas, número que triplica na alta temporada. Já existe um projeto orçado em R$ 13 milhões para sanear a praia.
- A Ilha Grande tem um setor turístico consagrado, e a candidatura será um bom pretexto para se aprovar um plano diretor de desenvolvimento sustentável para a ilha. O local é paradisíaco, mas está cheia de interferências perigosas, como a indústria do petróleo - resume a deputada estadual Aspásia Camargo (PV), integrante do grupo de trabalho.
A Baía de Ilha Grande, que margeia os municípios de Angra e Paraty, tem no seu litoral duas usinas nucleares, estaleiros e grande tráfego de navios petroleiros para o terminal aquaviário da estatal Transpetro. De olho no pré-sal, está em andamento a construção do terceiro berço do seu porto, feito com expectativa de escoar parte da produção da nova camada submarina.
- A proximidade dos navios petroleiros são um ponto a favor, pois mostra que o zelo pela Ilha Grande e a sua proteção têm que ser obrigatoriamente redobrados - acredita o presidente da Câmara.


No Aventureiro, a resistência dos caiçaras
Ilha terá que conciliar preservação de nativos e desenvolvimento sustentável

No caminho para convencer a Unesco que merece ser Patrimônio Natural da Humanidade, a Ilha Grande terá que provar também que consegue conservar sua população nativa, sem deixar de lado o desenvolvimento sustentável. Na Praia do Aventureiro, paraíso
perdido na Reserva Biológica da Praia do Sul, a resistência das 35 famílias residentes no local, última comunidade caiçara ainda não reconhecida no estado, pode servir como trunfo.
- Minha mãe falava que meu umbigo está enterrado aqui no quintal, debaixo da jabuticabeira - conta Manuel da Silva, 62 anos, sobre suas raízes com a Praia do Aventureiro, que, contando com seu filho, são quatro gerações de moradores nascidos e criados no lugar.
A pesca, o artesanato e o turismo de camping sustentam os moradores do Aventureiro. Atualmente, está em discussão a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) no Aventureiro e no Demo, uma praia vizinha. Uma solução de preservação que não tem unanimidade entre os moradores, que seriam transformados em usufrutuários, deixando de ser donos das terras que moram.
Em outro trecho da Ilha Grande, na Praia de Jaconema, um projeto piloto, criado por meio de parceria entre a prefeitura de Angra e um empresário local, tenta implantar a prática da maricultura. Ela é menos agressiva ao meio ambiente do que a pesca extrativista, pois o peixe que se vende é o que se cria.
No criadouro do empresário Carlos Kazuo, alevinos do bijupirá se desenvolvem em tanques no mar. Alguns peixes chegam a pesar 30 quilos. A tecnologia implantada no local está sendo espalhada, com a ajuda da Associação de Maricultores da Ilha Grande, para outros dez tanques, explorados por cooperativas. O bijupirá é bastante rentável. Para produzir um quilo, gasta-se R$ 7,40, mas na hora da venda, o preço chega a R$ 18.
- Para sobreviver do mar, parte dos pescadores terá que migrar para a maricultura - crê Kazuo, neto de antigosfuncionários de fábricas de sardinha em conserva, atividade comum na Ilha Grande no século XX, que hoje faz parte do passado, assim como o presídio famoso, que já abrigou Graciliano Ramos e foi extinto em 1994.

O Globo, 04/07/2011, Rio, p. 11
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