Luz para Todos invade Parque do Cristalino

http://www.oecoamazonia.com - 09/03/2011
Em março de 2010, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso autorizou às pressas a instalação de uma linha de transmissão de energia elétrica do programa Luz para Todos dentro de uma das unidades de conservação mais importantes da Amazônia, o Parque Estadual Cristalino (PEC), situado entre os municípios Novo Mundo e Alta Floresta (MT). O fato, em si, é uma irregularidade, mas surpreende também pelo beneficiado: Antônio Barbosa Filho, irmão do governador do estado, Silval Barbosa (PMDB).

"Só tem posseiros lá dentro", diz uma pessoa consultada pela reportagem e que prefere não se identificar. A energia elétrica foi levada até uma pousada (hoje desativada) instalada na região depois da criação do parque, em 2000, e gerenciada por Antônio. Ele nega em reportagem publicada em fevereiro deste ano pelo jornal Folha de S.Paulo que algum dia tenha sido proprietário da área. "Apenas alugava por curtos períodos de tempo", falou em nota.

No entanto, Silval Barbosa já chegou a contrapor esta afirmação. "Meu irmão só tem uma pousada lá, que fica justamente dentro da área que continua sendo o Parque Estadual do Cristalino. É só para turismo, uma pousadinha pequena", afirmou em entrevista publicada pela revista Época em 12 de janeiro de 2007. Na ocasião, ele era vice-governador de Mato Grosso e, junto a deputados, lutava pela redução de 27 mil hectares do parque. Procurado pela reportagem, o governador de Mato Grosso não quis se manifestar sobre o assunto.

Em meio a informações desencontradas, Alexander Maia, Secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso, não tem dúvidas quanto à instalação da linha de transmissão. "Se máquinas falham, imagine pessoas. Sem meias palavras: nós erramos". A sucessão de erros também engloba o programa Luz para Todos, lançado em 2003 pelo governo federal para acabar com a exclusão elétrica no país.

As prioridades para recebimento do benefício da energia são claras, segundo o governo: "populações do entorno de unidades de conservação; minorias raciais, remanescentes de quilombos e comunidades extrativistas e atingidas por barragens". Em outro ponto, o site oficial do Programa Luz para Todos afirma: "o objetivo do governo é utilizar a energia como vetor de desenvolvimento social e econômico destas comunidades, contribuindo para a redução da pobreza e aumento da renda familiar. Cerca de 90% destas famílias têm renda inferior a três salários mínimos e 80% estão no meio rural".

A instalação da linha em quase dois quilômetros para dentro do parque resultou no desmate de cerca de 1 hectare e na colocação de 13 postes. "Com o término das chuvas, entre março e abril, vamos recompor todo o dano ambiental", compromete-se Alexander Maia.

Parque Estadual do Cristalino
Devido à sua alta biodiversidade, os 184.900 hectares do parque do Cristalino são considerados uma das áreas prioritárias para conservação para o Ministério do Meio Ambiente. O plano de manejo da área, aprovado em março de 2010, afirma que "a riqueza de espécies é excepcional mesmo para os padrões amazônicos, igualando-se aos sítios mais ricos dos trópicos".

Lá já foram encontradas plantas endêmicas, além de 515 espécies de aves, 36 de mamíferos, 43 de répteis e 29 de anfíbios. Algumas populações são vulneráveis, ameaçadas e pouco conhecidas, como é o caso do tatu-canastra e da arara azul grande. Entre os diferentes ecossistemas, encontram-se a floresta ombrófila, estacional e campinarana."Sua importância é reconhecida mundialmente. O parque é vitrine do Mato Grosso no que se refere à conservação", afirma Renato Farias, coordenador do Instituto Centro de Vida (ICV).

Apesar de toda esta riqueza, o Cristalino tem sido ameaçado há anos por queimadas, retirada ilegal de madeira, grilagem de terras. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é o segundo parque estadual mais desmatado do estado, atrás apenas do parque da Serra de Ricardo Franco. Até 2009 o desmatamento acumulado no Cristalino era de 267 km2, ou 13,4% da área total. O plano de manejo diz que as pessoas da região (entre políticos e funcionários públicos) o veem como empecilho para exploração de recursos naturais e expansão de atividades agropecuárias.

Outro fator preocupante é a construção de barragens. Além das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Rochedo e Nhandu (a primeira afetaria o parque diretamente), o governo federal ainda pretende construir o chamado Complexo Teles Pires, composto por cinco usinas, uma delas próxima ao Cristalino.

É preciso conter as ameaças ao parque. Sua conservação é importante por inúmeras razões, entre elas os serviços ambientais prestados, o desenvolvimento de pesquisas e do ecoturismo. Caso haja novas tentativas de redução de sua área, a sociedade civil sinaliza que vai reagir. "Se isso acontecer, as campanhas pelo Cristalino voltarão com força maior e apoio de comunidades locais", afirma Renato. "Em hipótese alguma pensamos em reduzir a área do parque", responde Alexander. O tempo dirá.


LINHA DO TEMPO DE 2000 a 2007
Fonte: SOS Cristalino

Junho de 2000
Parque Estadual Cristalino é criado com 66.900 mil hectares.

30 de maio de 2001
Parque é ampliado para 118 mil hectares. A parte criada um ano antes passa a ser chamada Cristalino I e a porção ampliada Cristalino II. As duas áreas são uma única unidade de conservação.

2002
Projeto que pretende reduzir em 46% a área do Parque tramita na Assembleia Legislativa.

Maio de 2006
Deputados propõem redução do parque em 50 mil hectares

27 de outubro de 2006
Lideranças partidárias, entre elas o governador Silval Barbosa, então presidente da Assembleia Legislativa, propõem a redução do parque em 27 mil hectares.

30 de novembro de 2006
Assembleia Legislativa aprova a redução da área do parque do Cristalino, incluindo em seus limites a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Cristalino, unidade de conservação criada por Vitória da Riva, área preservada vizinha ao parque. Começa campanha pública contra a decisão.

09 de janeiro de 2007
Ministério Público move ação civil pública, pede suspensão imediata dos efeitos da nova demarcação e também a nulidade do processo que permitiu a retirada de 27 mil hectares do parque.

18 de dezembro de 2006
Deputados transformam em parque estadual a RPPN Cristalino e outras áreas em vias de se tornarem reservas particulares - ou seja, retiram fazendas desmatadas depois da criação do parque e incluem áreas já dedicadas à conservação.

26 de janeiro de 2007
O juiz José Zuquim Nogueira suspende a redução do parque. Em sua decisão, afirma: "Lamentavelmente é forçoso concluir que os senhores deputados - representantes do povo, que receberam com um voto uma "procuração" para defenderem os interesses da coletividade, estejam andando na contramão destes interesses, pois em detrimento da sociedade estão privilegiando uma minoria de indivíduos sem qualquer justificativa convincente".



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