Parque Nacional da Lagoa do Peixe: área úmida essencial para conservação de aves

((o))eco - http://www.oeco.org.br/ - 13/10/2020
O Parque Nacional da Lagoa do Peixe, localizado nos municípios gaúchos de Mostardas e Tavares, exibe uma paisagem impressionante e didática: é um exemplo concreto da conexão e dependência entre diferentes ambientes como restingas, banhados, campos alagáveis, campos de dunas, lagoas e lagunas, praias e uma pequena porção de área marinha. Esse conjunto de habitats abriga mais de 270 espécies de aves, das quais 35 são visitantes. Os ecossistemas presentes nesta estreita faixa de terra, e água, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico apresentam características que conferem à região atributos exclusivos não encontrados em nenhum outro lugar do planeta. Essas particularidades, além de garantir fenômenos como a regulação do fluxo de água, troca de nutrientes entre terra e mar e a moderação de eventos extremos como inundações e secas, garantem também o ambiente ideal para a alimentação e repouso de dezenas de milhares de aves migratórias durante seus voos anuais. É graças à riqueza de alimento ofertada pelo encontro de águas da Lagoa do Peixe com o mar, que o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus rufa) consegue alcançar os maiores pesos registrados em toda a costa Atlântica.

O maçarico-de-papo-vermelho (sub-espécie rufa) é uma espécie oficialmente ameaçada de extinção no Brasil, Estados Unidos e Canadá. Ele migra entre o Ártico Canadense, onde reproduz durante o verão boreal, eo sul da Patagônia, onde passa o verão austral, somando mais de 30,000 km voados por ano! Quando consegue descansar e se alimentar nas praias da Lagoa do Peixe, os maçaricos-de-papo-vermelho dobram de peso - chegam pesando 120 g e partem com 250 g. Graças a esse acúmulo de gordura, eles voam da Lagoa do Peixe até a Baía de Delaware nos Estados Unidos sem parar - um único voo de seis dias (aproximadamente 8.000 km).

A importância da Lagoa do Peixe foi reconhecida primeiramente em 1986, com a criação do Parque Nacional, cujo objetivo é a proteção das aves migratórias e dos ecossistemas litorâneos dos quais elas dependem. Os reconhecimentos não pararam aí, em 1991, por abrigar mais de 10% da população biogeográfica do maçarico-de-papo-vermelho, o parque foi incluído na Rede Hemisférica de Reservas para Aves Limícolas (WHSRN) como Sítio de Importância Internacional. Em 1993, o parque foi reconhecido como Sítio Ramsar, por sua importância para a conservação das áreas úmidas e, principalmente, das aves migratórias, e em 1999 passou a ser Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul.

Há outra espécie de ave limícola ameaçada de extinção no Brasil para o qual o parque nacional tem grande importância: o maçarico-acanelado (Calidris subruficollis). Ele também se reproduz Ártico Canadense, e no Alasca, e voa quase 15.000 km pelo meio das Américas (Rota Central de migração) até chegar no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, onde permanece de outubro a abril. É impressionante que uma ave tão pequenina - pesa entre 65 g e 80 g - possa fazer uma viagem tão longa, atravessando tantas fronteiras! Essa espécie, que no passado possuía centenas de milhares de indivíduos, hoje conta com apenas 50.000. Os campos alagáveis do Parque Nacional da Lagoa do Peixe são o ambiente preferido da espécie e podem hospedar entre 3.000 e 5.000 indivíduos - a maior população de maçarico-acanelado do Brasil.

O Programa Aves Limícolas da SAVE Brasil, que tem como principal objetivo a conservação das aves limícolas e seus habitats no país, vem trabalhando intensamente desde 2015 com parceiros locais, regionais e internacionais para divulgar e potencializar a conservação do Parque Nacional da Lagoa do Peixe e das aves limícolas ali presentes. Para tanto, promove o monitoramento de aves, oferece apoio a atores locais e incentiva a troca de conhecimento através de workshops e capacitações.

Em janeiro de 2019, o programa liderou o 1o Censo Simultâneo do Cone Sul - um único dia durante o qual voluntários contaram aves limícolas ao longo do Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Peru. No Brasil, 29 voluntários contaram mais de 15.000 indivíduos de 19 espécies de aves limícolas ao longo da costa do Rio Grande do Sul e sul de Santa Catarina. Mais de 75% dessas aves foram encontradas nas praias do Parque Nacional da Lagoa do Peixe. Os dados do censo estão sendo analisados por um aluno da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) como parte de sua tese de doutorado. Uma vez finalizadas as análises, serão identificadas as espécies mais abundantes por habitat para publicação de um atlas de aves limícolas da costa sul do Brasil. Esse atlas auxiliará no planejamento de ações futuras de conservação e monitoramento para garantir que as aves tenham o descanso e alimentação que necessitam.

A disseminação de informação é uma outra forma de atuação do Programa Aves Limícolas. Em 2017 e 2018, durante os Festival Brasileiro das Aves Migratórias, desenvolvemos atividades lúdicas sobre aves limícolas migratórias e residentes. Os festivais são realizados anualmente pelo ICMBio e pelas Prefeituras de Mostardas e Tavares.

Para que essa disseminação pudesse ocorrer de forma mais constante, o Programa Aves Limícolas, com apoio do Escritório Executivo da Rede Hemisférica de Reservas para Aves Limícolas (WHSRN), está promovendo a capacitação de professores das escolas de Mostardas e Tavares para o ensino de conceitos ligados às aves migratórias e aos ambientes que habitam, desenvolvendo atividades interdisciplinares que resultam na produção de trabalhos artísticos. As possibilidades de aprendizagem são muitas e talvez a mais encantadora e promissora seja a conexão de alunos e professores de diferentes regiões do continente americano através das aves migratórias e suas viagens incríveis. Essa conexão também faz parte das atividades do projeto. É realmente fascinante para as crianças de Mostardas e Tavares descobrir que as aves limícolas que são vistas nas praias do Parque Nacional da Lagoa do Peixe são as mesmas que as crianças da Baía de Delaware encontram. Através dessa conexão é possível entender que somos todos responsáveis pelo ciclo de vida dessas aves, cada um promovendo a conservação em diferentes pontos da rota de migração.

Ao promover a conservação dos ambientes necessários à sobrevivência das aves limícolas, protegemos também os serviços ecossistêmicos da região - um bem da comunidade local. Para explicar essa conexão à comunidade está sendo conduzida uma avaliação dos serviços ecossistêmicos locais, que leva em consideração a importância dos mesmos para diferentes setores da sociedade de Mostardas e Tavares, como pescadores, pecuaristas e comerciantes.

Outras ações do Programa Aves Limícolas da SAVE Brasil no Parque Nacional da Lagoa do Peixe vêm ampliando o conhecimento sobre as aves e seus habitats e promovendo uma aproximação com a comunidade local na busca pelo entendimento de seus interesses e necessidades, que são cada vez mais importantes para alcançar a efetividade da conservação ambiental. A manutenção do equilíbrio ecológico dos diversos ecossistemas presentes na região melhorará a qualidade da vida das aves e das pessoas.

As atividades do Programa Aves Limícolas na região do Parque Nacional da Lagoa do Peixe só foram possíveis graças ao apoio da BirdLife International, Bobolink Foundation, Instituto Neoenergia, Manomet Inc., National Fish and Wildlife Foundation, Neotropical Migratory Bird Conservation Act, e do Escritório Executivo da Rede Hemisférica de Reservas para Aves Limícolas (WHSRN).

Para saber mais sobre as aves limícolas, sua conservação ou nossos projetos, escreva para limicolas@savebrasil.org.br

*Sobre os autores:

Raquel Carvalho é bióloga e Doutora em Oceanografia pela USP, integra a equipe da SAVE Brasil desde 2018 como Coordenadora de Projetos no Programa Aves Limícolas. Possui experiência na conservação de áreas úmidas, tendo sido ponto focal técnico da Convenção de Ramsar e desenvolvido projetos de conservação e monitoramento da área costeira brasileira no âmbito federal.

João Paulo Damasceno é mestre em Ciências Biológicas e Doutorando em Ecologia pela UFRN, é Auxiliar de Projetos na SAVE Brasil desde 2016.

Juliana Bosi de Almeida é bióloga e Ph.D. em Ecologia, Evolução e Biologia da Conservação. Com mais de 15 anos de experiência em aves limícolas, lidera o Programa Aves Limícolas desde que o criou em 2015. É Coordenadora Executiva do PAN Aves Limícolas e faz parte do Conselho Hemisférico da WHSRN e dos Comitês Internacionais da AFSI e MSCI.

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