Uma em cada quatro unidades de conservação não recebeu nenhum visitante em 2013. É o que indica uma pesquisa inédita feita pelo Instituto Semeia, especialista em reservas naturais, que ouviu gestores de 201 parques ou reservas em 21 estados e no Distrito Federal, o que equivale a cerca de 10% do total de unidades de conservação em todo o país. O resultado é alarmante, já que todas essas áreas são - ou deveriam ser - abertas ao público. Dentre os motivos para a ausência de público está a falta de estrutura. Os gestores ouvidos pela pesquisa são quase unânimes em concluir que a quantidade de recursos que recebem, seja do governo federal, estadual ou municipal, é insuficiente para manter as áreas. Não à toa, 66% dos parques não têm qualquer serviço de apoio ao uso público e 56% não têm plano de manejo, como mostra o estudo.
- Fui gestora do parque estadual do Cristalino, na Amazônia. Tinha que levar papel higiênico de casa, tamanha a falta de estrutura. A população do entorno odiava o parque, que era visto como um entrave ao desenvolvimento e não como algo que pertencia à comunidade - diz Ana Luísa da Riva, diretora executiva do Semeia.
Manter uma reserva chega a demandar atos de heroísmo. O Parque Nacional Serra da Capivara, considerado pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, é um exemplo. A área, de 130 hectares, possui 912 sítios arqueológicos, alguns de mais de 100 mil anos. A fauna e a flora são únicos, mas a falta de recursos provocou o quase desaparecimento de espécies, como o tamanduá, vítimas da caça comercial. O desmatamento é outro problema. Dos 270 funcionários necessários para a proteção do parque, há 80 trabalhando.
- Não sei como vou pagá-los no mês que vem - afirma a arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, gestora do parque. Aos 81 anos, Niède afirma que já gastou R$ 1,6 milhão do próprio bolso com o parque, contraindo empréstimo bancário em seu nome por causa disso:
- O governo brasileiro não trata a questão com seriedade, não tem orçamento fixo para o parque - diz ela.
BAIXA ARRECADAÇÃO NO SETOR
O Parque da Serra da Capivara recebe anualmente 25 mil visitantes. Não é muito, considerando-se que o parque teria capacidade de receber cinco milhões de pessoas. A diferença entre o potencial e a realidade é o que explica por que o Brasil, apesar de citado pelo Fórum Econômico Mundial como o país com maior capacidade lucrativa a partir de suas belezas naturais, sequer figure na lista dos 50 países que mais arrecadam com essa modalidade de negócios. O Instituto Semeia estimou a quantidade de dinheiro que o país poderia ganhar caso fizesse o básico para divulgar as áreas de conservação (como instalar portarias). Em dez anos, a receita somaria R$ 168 bilhões.
- Temos a difícil tarefa de convencer o governo de que é preciso colocar público nessas áreas. Lugar vazio não existe. Alguém vai ocupar essas áreas de algum jeito. Melhor que seja com gente para admirar as belezas do que para destruí-las - afirmou Maria Cecília Wey de Brito, secretária geral do WWF Brasil.
Uma pesquisa realizada recentemente pelo WWF concluiu que a população tem orgulho e valoriza a natureza brasileira, mas desconhece que pode visitar os parques e usufruir deles. As áreas poderiam ser ainda mais valorizadas se os brasileiros soubessem da íntima relação delas com a produção energética: 70% da matriz hidrelétrica é impactada diretamente por uma área protegida.
- As pessoas não fazem ideia de que os parques são públicos, pertencem aos próprios brasileiros. Por isso não cobram o governo para melhorar a vergonhosa situação atual dessas áreas: gestões baseadas em nomeações políticas e o patrimônio natural e cultural sendo dilapidado - diz Maria Cecília.
Questionado, o Instituto Chico Mendes (ICMBio) disse, por nota, "que não tem conhecimento de que gestores de Unidades de Conservação estejam pagando funcionários com recursos próprios e que não há qualquer orientação da instituição neste sentido". Ressaltou também que destinou, nos últimos quatro anos, R$ 171 milhões para a administração de parques nacionais. Trata-se de uma quantidade significativa de recursos, mas que ainda é insuficiente.
Especialistas admitem que quase nenhum governo no mundo teria dinheiro para custear a gestão de parques da melhor maneira possível. Segundo eles, seria preciso buscar alternativas para a administração. Um dos modelos em discussão é o de parceria público-privada. A inspiração vem da administração do Central Park, em Nova York, assim como de áreas de conservação da Nova Zelândia, e funciona da seguinte maneira: em troca da exploração comercial da área (cobrando ingressos para a entrada, por exemplo), o empresário se compromete a manter e conservar o parque e a fazer melhorias públicas (como cercamento, manutenção de trilhas, pesquisas sobre biodiversidade, etc.).
- Seria uma maneira de garantir às áreas de conservação um cuidado muito maior do que o governo tem dado. E para o empresário pode ser um bom negócio - afirma Ana Luisa Riva, defensora da ideia.
A primeira experiência do tipo pode acontecer já no começo de 2015, na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais. Ali foi encontrado o fóssil da mulher mais antiga das Américas, Luzia. A área é rica em belezas naturais e culturais. Mas sofre com a falta de estrutura para receber visitantes e preservar o patrimônio. Por isso, a ideia de passar a administração para a iniciativa privada é vista com otimismo pelos especialistas. Para eles, pode ser um boa chance de evitar que as pinturas rupestres das grutas locais acabem substituídas por pichações.
http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/falta-de-estrutura-prejudica-turismo-em-parques-nacionais-diz-relatorio-14586388
UC:Geral
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